sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Do menos ruim ao menos ruim, até onde vamos?


Por Thales Emmanuel*

Outro dia, na fila do pão, escutei um sujeito que vestia vermelho, consternadamente, falar pra outro:
– Se Aécio tivesse sido eleito... Se tivéssemos votado nele, ao invés de Dilma... Ao menos não teria havido golpe.
Semana passada, um blog previa:
“Temer durará, no máximo, até fevereiro ou março do próximo ano. Há uma trama da cúpula burguesa para substituí-lo por uma junta parlamentar. Em seu programa, até Faustão fez críticas ao governo.”
Vai que isso acontece e ele retorne em 2018, indo para um segundo turno com Bolsonaro?!
“Putz! O pior dos cenários.”, pensei.
Mas logo me lembrei que uma rejeição generalizada das ruas poderia surgir daí: “Ufa! Finalmente, a greve geral.”
“Intervenção militar para pôr fim ao caos social!”. Não é assim que a repressão justifica o esmagamento das forças populares? Em 64 foi por conta da “ameaça comunista”. Sem o componente ideológico, como dizem, que outro “perigo” se apresentaria agora?
“Terrorismo!!”. Merda! O que estava ruim pode ficar ainda pior.
Lá vem os Marines numa chuva de paraquedas! O navio bélico USS Lassen atraca na costa baiana. Na invasão, militares explicam para o povo que agem em defesa da democracia, contra a ameaça do Estado Islâmico. Argumentam com seus projéteis calibre 45. Nosso Capitão América estupra e tortura. Tem nou-ral nesse ramo. Os destroços de Afeganistão e Iraque confirmam as intenções da missão da classe dominante estadunidense.
Não sei ao certo quando tudo começou. Na fila do pão, perguntei ao rapaz de vermelho por que votara em Dilma:
– Porque era a menos ruim.
– E por que agora preferiria a vitória de Aécio Neves? – Insisti.
– Aécio seria menos ruim que o golpe. Menos ruim que Temer.
Abandono do trabalho de base pelo tempo de TV do programa eleitoral. Socialismos acomodados à lógica burguesa de fazer política. Aceitação crítica da barbárie. Política como escolha do menos ruim. Do menos ruim ao menos ruim, o escorregar contínuo em direção ao mais pior.
Paguei o pão e enlacei a sacola. Quando já saía do mercadinho, um senhor, aparentemente de muita idade, segurou-me pelo antebraço com sua mão calejada. Com um jeito caracteristicamente camponês, falou-me olhando firme nos olhos:  
– Não é porque estamos num tempo ruim que devemos esquecer o que é bom.

 *Thales Emmanuel é militante do Movimento dos/as Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e da Organização Popular (OPA).

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Ressaca tem cura


Por Thales Emmanuel*

A recente derrota eleitoral das forças progressistas deixou muita gente de ressaca. Boa parte esquece, no entanto, que o que antecedeu a náusea não foi a vitória dos anos “gloriosos” do PT, mas o inebriar delirante de falsas perspectivas.
As manifestações de massa em 2013, o aumento progressivo das abstenções eleitorais de 1989 para cá, a desconfiança crescente em relação aos partidos políticos, a venda do voto, a repercussão praticamente nula do “vote consciente”, os ditos populares (“É tudo ladrão!”)...
Encabrestada pelas armas de festim disponibilizadas pela burguesia, a esquerda empalidece com a sangria contínua de suas artérias. A parte ora mais expressiva dela vê na classe trabalhadora um eleitorado; na democracia da burguesia, a sua democracia, e transforma a Rede Globo, o golpe em maus aceitáveis, necessários. As ruas são encaradas como suporte à barganha parlamentar. Fora disso, é desordem, vandalismo. Regradas pela política da minoria, a maioria vermelha é dobrada e vencida como força menor.
Não fosse a já esquecida delação premiada contra Romero Jucá, nenhuma notícia se teria sobre a movimentação nos quartéis. Para muitos, a interferência direta da CIA em todo processo recente ou é coisa de filme de ficção ou defeito normal de uma frágil democracia em construção. Um pedido de desculpas do governo estadunidense e tá tudo certo.
A autodomesticação da esquerda se constitui no principal feito da direita nas últimas décadas.
Retomar e estreitar os vínculos com as massas oprimidas e exploradas, extraindo desta relação novos modelos organizativos e uma estratégia de transformação radical da sociedade. Embasar, popularizar a história da luta de classes e de sua impossível conciliação. Nesta caminhada, aprender a ouvir o povo, oxigenando e tornando viva a teoria. O Poder Popular, entendido como resposta prática desta interação, fará da luta direta autônoma sua principal forma de participação política.    
São tarefas gratuitas que precisam ser incorporadas ao cotidiano das organizações de esquerda. Se não tivermos desaprendido a aprender, venceremos, como nos ensina nossa querida Rosa. Ou fazemos isso ou testemunharemos como cúmplices, ainda que críticos, a barbárie promovida pela única lógica de funcionar do capital. 

*Thales Emmanuel é militante do Movimento dos/as Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e da Organização Popular (OPA).