quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Benedito Tonho

                        Por Eliton Meneses*

            O dia começara quente sob o céu limpo do começo de agosto. Fazia dois meses da última chuva. Era preciso trabalhar a terra para o outro ano. Benedito Tonho pôs a enxada no ombro, segurou o laço da cabaça e se dirigiu sozinho para o roçado. Estava contente com a decisão da Justiça. Depois de tanta luta, a causa foi decidida de maneira justa, em favor do mais pobre. A terra era do povo, era da comunidade, era do agricultor que a cultivava há tantos anos. Estava feliz e aliviado. Valera a pena toda a luta. Agora contava até com uma sentença da Justiça. Ninguém ia mais ter coragem de dizer que era dono da terra alheia. Um papel carimbado da Justiça resolvia muita coisa.
            – As coisas só acontecem quando a gente faz as coisas acontecerem!
            O suor escorria na testa debaixo do seu chapéu de palha. Uma brisa leve amenizava o calor da manhã ensolarada. Dois bigodeiros cantavam num cajueiro e um urubu vagava no céu azul. O sertão estava verde depois do inverno regular. Benedito Tonho assobiava pensativo, enquanto aparava com a foice o excesso de mato da coivara. À noite haveria encontro da Pastoral da Terra com o pessoal das CEBs na comunidade. Era preciso discutir alguns pontos, reordenar o passo, encaminhar novos projetos. A luta do povo precisava continuar, sem medo. No final tudo se acertava. A justiça acabava prevalecendo.
            – Morrer na luta é heroísmo! Fugir da luta é covardia!
            De repente, o coro de cigarras cessou. Uma nuvem negra escondeu o sol do sertão e suspendeu a brisa até então amena. Na porteira, apareceu um homem desconhecido, que entrou no cercado lentamente em direção a Benedito Tonho. Quando avistou o sujeito a poucos metros de si, parado, Benedito Tonho fez questão de saudá-lo.
            – Olá, camarada! No que posso servi-lo?
            – Você que é o Benedito Tonho?!
            – Sou, sim, companheiro!
            Cinco tiros romperam o silêncio da capoeira. Benedito Tonho escutou os dois primeiros e sentiu imediatamente um aperto no peito e um gosto de sangue na boca. Com a face esquerda encostada na terra quente e os dedos cravados no chão, muitos pensamentos ainda lhe percorreram a mente enquanto os sentidos se esvaíam pouco a pouco.
            Pensou na mulher e nos meninos pequenos, no inverno do próximo ano, nos encontros da comunidade, na luta popular por direito, na igreja dos pobres... Antes do último suspiro, ainda balbuciou:
            – Companheiros, não desistam jamais de lutar!
            De repente, ergueu-se como um espectro e observou seu corpo estirado no chão e um homem correndo em fuga. Avistou também vários anjos em sua volta. Almas de pessoas que, como ele, haviam tombado na luta contra as injustiças sociais. Espíritos obsequiosos que o saudaram com efusão e o acompanharam, de mãos dadas, por uma estrada de luz.                                                   

                                                                                                                                 
 P.S.: Benedito Tonho foi uma liderança da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), morto, em 05 de agosto de 1986, aos 27 anos, a mando de um grileiro, na comunidade de Queimadas, Distrito de Ubaúna, Coreaú (CE), depois de ver reconhecida a legitimidade da sua terra, tendo-se convertido num dos símbolos da luta popular por direitos.


* Eliton Meneses é poeta e Defensor Público no estado do Ceará.