Por Eliton Meneses*
O dia
começara quente sob o céu limpo do começo de agosto. Fazia dois meses da última
chuva. Era preciso trabalhar a terra para o outro ano. Benedito Tonho pôs a
enxada no ombro, segurou o laço da cabaça e se dirigiu sozinho para o roçado.
Estava contente com a decisão da Justiça. Depois de tanta luta, a causa foi
decidida de maneira justa, em favor do mais pobre. A terra era do povo, era da
comunidade, era do agricultor que a cultivava há tantos anos. Estava feliz e
aliviado. Valera a pena toda a luta. Agora contava até com uma sentença da
Justiça. Ninguém ia mais ter coragem de dizer que era dono da terra alheia. Um
papel carimbado da Justiça resolvia muita coisa.
– As
coisas só acontecem quando a gente faz as coisas acontecerem!
O suor
escorria na testa debaixo do seu chapéu de palha. Uma brisa leve amenizava o
calor da manhã ensolarada. Dois bigodeiros cantavam num cajueiro e um urubu
vagava no céu azul. O sertão estava verde depois do inverno regular. Benedito
Tonho assobiava pensativo, enquanto aparava com a foice o excesso de mato da
coivara. À noite haveria encontro da Pastoral da Terra com o pessoal das CEBs
na comunidade. Era preciso discutir alguns pontos, reordenar o passo,
encaminhar novos projetos. A luta do povo precisava continuar, sem medo. No
final tudo se acertava. A justiça acabava prevalecendo.
– Morrer
na luta é heroísmo! Fugir da luta é covardia!
De
repente, o coro de cigarras cessou. Uma nuvem negra escondeu o sol do sertão e
suspendeu a brisa até então amena. Na porteira, apareceu um homem desconhecido,
que entrou no cercado lentamente em direção a Benedito Tonho. Quando avistou o
sujeito a poucos metros de si, parado, Benedito Tonho fez questão de saudá-lo.
– Olá,
camarada! No que posso servi-lo?
– Você
que é o Benedito Tonho?!
– Sou,
sim, companheiro!
Cinco
tiros romperam o silêncio da capoeira. Benedito Tonho escutou os dois primeiros
e sentiu imediatamente um aperto no peito e um gosto de sangue na boca. Com a
face esquerda encostada na terra quente e os dedos cravados no chão, muitos
pensamentos ainda lhe percorreram a mente enquanto os sentidos se esvaíam pouco
a pouco.
Pensou
na mulher e nos meninos pequenos, no inverno do próximo ano, nos encontros da
comunidade, na luta popular por direito, na igreja dos pobres... Antes do
último suspiro, ainda balbuciou:
– Companheiros, não
desistam jamais de lutar!
De
repente, ergueu-se como um espectro e observou seu corpo estirado no chão e um
homem correndo em fuga. Avistou também vários anjos em sua volta. Almas de
pessoas que, como ele, haviam tombado na luta contra as injustiças sociais.
Espíritos obsequiosos que o saudaram com efusão e o acompanharam, de mãos
dadas, por uma estrada de luz.
P.S.: Benedito Tonho foi uma liderança da CPT (Comissão
Pastoral da Terra) e das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), morto, em 05 de
agosto de 1986, aos 27 anos, a mando de um grileiro, na comunidade de
Queimadas, Distrito de Ubaúna, Coreaú (CE), depois de ver reconhecida a
legitimidade da sua terra, tendo-se convertido num dos símbolos da luta popular
por direitos.
* Eliton Meneses é poeta e Defensor Público no estado do Ceará.