Tinha
tudo para ser um dia normal em PETlândia. Etileno de Escartável Filho acordara,
como de costume, às 5 horas da manhã. Abriu os olhos, sentou-se à beira de sua
cama de garrafas plásticas e, antes mesmo que lhe acertasse algum tipo de
pensamento, ligou a televisão, moderno aparelho PET adquirido em suaves 50
prestações. Assistiu um pouco da programação com o pouco de tempo que dispunha.
O noticiário matutino apresentava matéria sobre a final do campeonato nacional
de futebol de tampinhas, paixão popular de uma época. O Enlatados Sport Club se
consagrara campeão depois de 21 anos de jejum. Uma festa para a única maior
torcida do país.
Sem
desligar o aparelho de TV, levantou-se e, como era tradição, ajustou sua
pintura de cabeceira, um retrato dos químicos britânicos Whinfield e Dickson,
inventores do politereftalato de etileno, mais conhecido pela sigla PET. Rezou
para a imagem e pediu que lhe abençoassem o dia.
Etileno
era um nome comum em PETlândia, mas Etileno não acreditava ser apenas mais um Etileno
entre os Etilenos. Eleito pela vigésima vez seguida funcionário do mês pela empresa
de fast food PET´Donalds, conhecia bem a importância do fator pontualidade para
conquistas profissionais e, como ansiava pelo dia em que seria promovido, acelerou
os passos em direção à pia do banheiro. Ao se barbear, não se sabe por que
motivo, lembrara do tempo de infância, quando assistia Super-PET, herói
preferido. Riu com a recordação, terminou de se arrumar, desligou a TV e se
foi.
Chegando
ao emprego, cumprimentou o vigia eletrônico que, para sua surpresa, não o
respondeu com o habitual “Bom dia!”. “Senhor Etileno de Escartável Filho, o
setor de recursos humanos lhe espera para uma reunião em dois minutos.”
“A
promoção!”, pensou. Talvez quisesse pular, gritar de alegria, abraçar e beijar o
porteiro feito de material reciclável que lhe dera a notícia, mas, como se
previa, nada disso faria. Seu desenvolvido senso profissional não permitiria
manifestações tão pessoais, ainda mais ali, em seu ambiente de trabalho. E foi
assim, sem saber que não sabia o que lhe esperava, que Etileno se dirigiu ao escritório
de recursos humanos e, bem sentado, escutou da assistente social eletrônica o
comunicado:
“Senhor
Etileno Filho, nós, da PET´Donalds Fast Food, agradecemos-lhe por todos esses
anos de colaboração em que crescemos e aprendemos juntos. Infelizmente, em
virtude da crise, precisaremos desfazer seu vínculo empregatício. Seus direitos
já foram devidamente calculados e estão à disposição no caixa ao lado.
Novamente agradecemos. Tenha um bom dia!”
Não
fosse a mensagem padrão destinada ao funcionário padrão, jamais teria Etileno
se sentido como mais um Etileno.
Procurou
um espelho ali mesmo, mas não havia espelhos na empresa.
Precisava
urgentemente se olhar, identificar-se.
Correu
então para casa e, na mesma pia em que se barbeara pela manhã, enxergou-se, de
forma inédita, diferenciado. Não mais como Etileno sobre Etilenos ou Etileno
entre Etilenos.
Pelo
reflexo, percebeu algo estranho em seu rosto - ao mesmo tempo que percebia
que perceber era o fato mais estranho já experimentado em toda sua vida. Arregalou os olhos de
espanto e, aproximando-se vagarosamente do espelho, tocou, com a ponta dos
dedos, no bizarro objeto: era seu nariz, uma tampa vermelha de PET-Cola de dois
litros.
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