domingo, 17 de janeiro de 2016

Admirável Mundo PET

Tinha tudo para ser um dia normal em PETlândia. Etileno de Escartável Filho acordara, como de costume, às 5 horas da manhã. Abriu os olhos, sentou-se à beira de sua cama de garrafas plásticas e, antes mesmo que lhe acertasse algum tipo de pensamento, ligou a televisão, moderno aparelho PET adquirido em suaves 50 prestações. Assistiu um pouco da programação com o pouco de tempo que dispunha. O noticiário matutino apresentava matéria sobre a final do campeonato nacional de futebol de tampinhas, paixão popular de uma época. O Enlatados Sport Club se consagrara campeão depois de 21 anos de jejum. Uma festa para a única maior torcida do país.
Sem desligar o aparelho de TV, levantou-se e, como era tradição, ajustou sua pintura de cabeceira, um retrato dos químicos britânicos Whinfield e Dickson, inventores do politereftalato de etileno, mais conhecido pela sigla PET. Rezou para a imagem e pediu que lhe abençoassem o dia.
Etileno era um nome comum em PETlândia, mas Etileno não acreditava ser apenas mais um Etileno entre os Etilenos. Eleito pela vigésima vez seguida funcionário do mês pela empresa de fast food PET´Donalds, conhecia bem a importância do fator pontualidade para conquistas profissionais e, como ansiava pelo dia em que seria promovido, acelerou os passos em direção à pia do banheiro. Ao se barbear, não se sabe por que motivo, lembrara do tempo de infância, quando assistia Super-PET, herói preferido. Riu com a recordação, terminou de se arrumar, desligou a TV e se foi.
Chegando ao emprego, cumprimentou o vigia eletrônico que, para sua surpresa, não o respondeu com o habitual “Bom dia!”. “Senhor Etileno de Escartável Filho, o setor de recursos humanos lhe espera para uma reunião em dois minutos.”
“A promoção!”, pensou. Talvez quisesse pular, gritar de alegria, abraçar e beijar o porteiro feito de material reciclável que lhe dera a notícia, mas, como se previa, nada disso faria. Seu desenvolvido senso profissional não permitiria manifestações tão pessoais, ainda mais ali, em seu ambiente de trabalho. E foi assim, sem saber que não sabia o que lhe esperava, que Etileno se dirigiu ao escritório de recursos humanos e, bem sentado, escutou da assistente social eletrônica o comunicado:
“Senhor Etileno Filho, nós, da PET´Donalds Fast Food, agradecemos-lhe por todos esses anos de colaboração em que crescemos e aprendemos juntos. Infelizmente, em virtude da crise, precisaremos desfazer seu vínculo empregatício. Seus direitos já foram devidamente calculados e estão à disposição no caixa ao lado. Novamente agradecemos. Tenha um bom dia!”
Não fosse a mensagem padrão destinada ao funcionário padrão, jamais teria Etileno se sentido como mais um Etileno.
Procurou um espelho ali mesmo, mas não havia espelhos na empresa.
Precisava urgentemente se olhar, identificar-se.
Correu então para casa e, na mesma pia em que se barbeara pela manhã, enxergou-se, de forma inédita, diferenciado. Não mais como Etileno sobre Etilenos ou Etileno entre Etilenos.
Pelo reflexo, percebeu algo estranho em seu rosto - ao mesmo tempo que percebia que perceber era o fato mais estranho já experimentado em toda sua vida. Arregalou os olhos de espanto e, aproximando-se vagarosamente do espelho, tocou, com a ponta dos dedos, no bizarro objeto: era seu nariz, uma tampa vermelha de PET-Cola de dois litros.


Thales Emmanuel, militante do Movimento dos/as Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e da Organização Popular (OPA).

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