sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Cristianismo e Comunismo


Por Thales Emmanuel*

No início de novembro deste ano, após o Terceiro Encontro Mundial dos Movimentos Populares, no Vaticano, o papa Francisco tornou a assemelhar cristãos e comunistas:
“São os comunistas os que pensam como os cristãos. Cristo falou de uma sociedade onde os pobres, os frágeis e os excluídos sejam os que decidam. Não os demagogos, mas o povo, os pobres, os que têm fé em Deus ou não, mas são eles a quem temos que ajudar a obter a igualdade e a liberdade.”
Logo depois do primeiro encontro, realizado em Roma, 2014, Bergoglio já havia dito algo parecido. No segundo, ocorrido em 2015, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, o papa teceu críticas incisivas contra a sociedade capitalista: "Queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Esse sistema é insuportável."
Ao longo da história, a aproximação entre Jesus e Marx (principal referência da luta comunista moderna) foi sempre marginalizada e muito perseguida. Esse fato pode ser explicado pelo desconhecimento, por preconceitos; mas, sobretudo, pela manipulação  promovida para atender a interesses econômicos e políticos dominantes, que sempre lucraram com a separação.
Jesus se doou pela construção de um mundo em que todos tivessem vida em plenitude. Para tanto, defendeu a partilha radical do pão e uma forma de governo que, como fermento na massa, servisse à participação popular. Na Europa do século 19, Marx se envolveu na luta por uma sociedade sem exploradores e explorados. Suas teses revelaram ao mundo a origem das desigualdades sociais. Em suas respectivas épocas, ambos marcharam na contramão dos poderes estabelecidos.
Padre Ernesto Cardenal, participante da Revolução Nicaraguense, conhecida pelo massivo engajamento cristão, fala que Jesus e Marx são diferentes, mas não incompatíveis. Conta ainda:
“Declarei, muitas vezes, que sou marxista por Cristo e seu Evangelho. Que não fui levado ao marxismo pela leitura de Marx, mas pela leitura do Evangelho. O Evangelho de Jesus Cristo me fez marxista, como eu já disse e é verdade. Sou um marxista que crê em Deus, segue Cristo, e é revolucionário por causa do seu Reino.”
Na década de 1960, em meio a regimes militares que golpeavam a América Latina, o compromisso cristão com a causa do oprimido ressurgiu rebatizado de Teologia da Libertação. O marxismo serviu de fonte para compreensão e ação em uma realidade extremamente hostil à maioria da população.

A endemonização conservadora que se escancara em setores sociais privilegiados sempre que Jesus e Marx se descobrem íntimos é facilmente entendida por profecias como a de Che Guevara:
“A Revolução na América Latina só acontecerá quando os comunistas deixarem de ser preconceituosos com a fé dos cristãos; e os cristãos deixarem de ser proselitistas com os comunistas. Nesse dia, a Revolução será imbatível.”
Na semana em que multidões de pessoas comovidas do planeta inteiro se despediram de Fidel Castro, falecido aos 90 anos de idade, vale recordar o que disse certa vez o comandante da Revolução Cubana:
“Ele (Jesus Cristo) foi o primeiro comunista. Repartiu o pão, repartiu os peixes e transformou a água em vinho.”
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Para aprofundamento da temática:
- Fidel e a Religião, livro de Frei Betto.

- Descalço Sobre a Terra Vermelha, filme que conta a história de dom Pedro Casaldáliga. No youtube.


*Thales Emmanuel é militante do Movimento dos/as Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e da Organização Popular (OPA).