Você pode nunca ter ouvido falar dele, mas, se já
escutou algum comentário a respeito de suas ideias, dificilmente não se sentiu instigado,
instigada a se posicionar. Discursos o descrevem com amor ou ódio. Difamações e
interpretações dogmatizadas de sua obra não faltam. Provas de vestibular tentam,
sem sucesso, vesti-lo com uma impossível neutralidade acadêmica. Muitos se
valem de seus ensinamentos para melhor compreensão da sociedade e sua dinâmica,
ainda que não o saibam ou mesmo não o reconheçam.
Karl Heinrich Marx nasceu no dia 5 de maio de 1818,
numa pequena cidade chamada Trier, ou Tréveris, atualmente território da
Alemanha, como terceiro filho, de nove, de um casal de tradição religiosa
judaica. Pai advogado e mãe dona de casa, Marx viveu num dos períodos
politicamente mais efervescentes da Europa, quando se desembrulhavam as
transformações oriundas da Queda da Bastilha, de 1789. A roda da história
girava para fazer do capitalismo sistema dominante, dando o adeus definitivo à
Idade Medieval.
Na faculdade, inicialmente de direito, depois migrando
para filosofia, assumiu para si as ideias progressistas de seu tempo, o que lhe
trouxe inúmeros conflitos com estudantes de pensamento conservador. Ao concluir
o curso, até teve intenção de seguir carreira acadêmica, mas a universidade se
fechara a pensamentos que estivessem fora da caixinha ortodoxa. Em meados de 1842, abraçou então a carreira
jornalística.
No jornalismo, Marx continuou se posicionando
criticamente contra as ideias do atraso, dominantes numa Alemanha ainda
fortemente medieval. Na Gazeta Renana, pertencente a membros da burguesia
liberal, sofreu seguidamente com a censura, até renunciar em março de 1843.
"Marx morreria por seus pontos de vista, de cuja verdade ele está
absolutamente convencido", declarou o censor da época.
Ainda na Gazeta Renana, um episódio de injustiça
social influíra decisivamente para mudança de rumo em sua vida. Por conta do avanço
da indústria, camponeses começaram a sofrer restrições na retirada de madeiras,
algo que era direito de costume e também essencial à sobrevivência das
famílias. Marx se pôs em defesa dos trabalhadores, mas sentiu a necessidade e
de ir além do posicionamento ético e entender a fundo os motivos que levavam o
Estado a agir daquela forma. Mergulhou então nos estudos de economia, jornada
que acompanharia toda sua trajetória política.
Sem espaço de atuação em seu país de origem, foi para
a França, onde o contato direto com o movimento operário foi decisivo para que
agarrasse com coração e mente a luta da classe trabalhadora. Foram os operários
que, mais significativamente, evangelizaram Marx para a causa comunista. Os
mesmos operários que, posteriormente, fariam das ideias sistematizadas por Marx
seu principal instrumento de libertação.
Sua militância em organizações e ações revolucionárias
e, principalmente, a revelação nua e crua da realidade por parte de sua teoria,
atraiu contra si e sua família a perseguição dos poderes constituídos. Expulsos
de países onde residiam, encarcerados, adoentados, passando por privações
materiais que levaram a óbito quatro de seus sete filhos, Jenny, companheira e
essencial colaboradora, emotivamente esmorecida com a partida de mais um de seus
amados rebentos, escreveu-lhe: "Tudo que fazemos pelos outros é tirado de
nossas crianças."
No dia 14 de março de 1883, Karl Marx adormeceu para
sempre, "sem testamento e sem pátria". "O homem mais odiado e
caluniado de seu tempo", segundo Engels, companheiro de todas
as horas e parceiro em inúmeras empreitadas, "morreu honrado, amado, chorado por milhões de companheiros
operários revolucionários (...)." Duzentos anos depois de seu nascimento,
seu legado segue vivo entre os que lutam, abominado pelos que dominam e em
ansiosa expectativa pelo dia em que se encontrará com as grandes massas
oprimidas, festejando a conquista de um novo amanhã.
Ideias
Outro dia, um comentário de fez-se buque
dizia: “Karl Marx é o demônio. Fica criando guerra entre nós com essa tal de
‘luta de classes.’”
É relativamente comum ler e escutar esse
tipo de coisa, mas, bem se diga, não foi Marx quem inventou “essa tal luta de
classes.” O conflito de interesses entre ricos e pobres não é fruto de uma
imaginação perversa, doentia, ávida por sangue. Mil oitocentos e
poucos anos antes do pequeno Karl vir ao mundo, Jesus de Nazaré mesmo já
advertia: “Mais fácil é passar um camelo no fundo de uma agulha, do que entrar
um rico no Reino de Deus”. Não foi Marx quem incitou Spartacus a rebelar-se
contra a escravidão no Império Romano. Zumbi e Antônio Conselheiro não leram o
Manifesto do Partido Comunista para organizar o Quilombo dos Palmares e Belo
Monte. Não havia nenhum marxista entre os revoltosos camponeses da Idade Média.
Também não foi Marx quem criou a luta pela retomada das terras indígenas na
América Latina, a rebeldia operária e muito menos a intolerância patronal. O
que ele fez com sua teoria foi nos proporcionar a consciência da existência da
luta de classes e de suas causas históricas, além de apontar caminhos de
superação.
Para Marx, o surgimento e desenvolvimento histórico da
propriedade privada, primeiro da terra, depois de outros meios de produção,
como a indústria moderna, dividiu a sociedade em classes com interesses
antagônicos entre si. De um lado, os proprietários; de outro, os sem
propriedade, estes submetidos ao domínio dos primeiros. Donos de escravos e
escravizados, senhores feudais e servos camponeses, colonizadores e
colonizados, capitalistas e trabalhadores assalariados. Quem detém a
propriedade dos meios de produção, controla também o trabalho e a destinação de
seus frutos.
Em seu estudo do modo de produção capitalista, é
possível constatar a olho nu ou mesmo sentir na pele várias dessas verdades.
Por exemplo, a origem das desigualdades sociais Marx atribui à exploração do
trabalho. O salário, para ele, representa apenas uma parte, em geral
proporcionalmente muito pequena, de tudo o que o trabalhador, a trabalhadora
produziu. Uma explicação para o fato de pedreiros construírem mansões, mas morarem
em barracos de aluguel. A finalidade do salário tem a ver com a reposição
necessária de energia e a manutenção dos elementos característicos da
profissão, imprescindíveis à nova jornada de exploração marcada para o dia
seguinte. Além disso, o salário deve possibilitar minimamente a reprodução
biológica da classe produtora, garantindo a perpetuidade da dominação. Ao
subtrair o pagamento da força de trabalho do montante produzido, o que resta é
o valor não pago, chamado por Marx de mais-valia, que fica sob controle do
capitalista, do patrão, proprietário da fábrica, das máquinas, que, por sinal,
também dependem das mãos de quem trabalha para existir e funcionar. Amar o
inimigo, para o revolucionário alemão, é desmanchar aquilo que o torna inimigo.
Para tanto, para libertar a humanidade da exploração e da miséria, Marx acredita
que a classe trabalhadora precisa se organizar e lutar pela socialização dos
meios de produção. Socialismo é o
nome dado à sociedade onde quem trabalha e produz, também administra e governa.
Marx expôs a racionalidade, a lógica de funcionamento
do sistema capitalista. Todos os demais elementos e fenômenos sociais
(política, religião, educação etc) se ligariam de algum jeito a uma ou outra
classe, a um ou outro interesse de classe, colocando-se ou como conservador ou
transformador desta mesma ordem social, conscientes disso ou não. Nesse
contexto, a predominância das forças pertenceria à classe que detém o poder
econômico, a propriedade dos meios de produção. “As ideias dominantes são as
ideias da classe dominante.” Com essa explicação, não é difícil entender porque
muitos trabalhadores explorados se posicionam contrários à luta de seus irmãos trabalhadores
que combatem a exploração. As mídias também se ligam predominantemente aos
interesses de classe dominantes.
Muitas e indissolúveis por si só são as contradições
oriundas das entranhas da ordem social do capital. Elas mostram que alguns
problemas enfrentados pela humanidade atualmente, questões que chegam inclusive
a colocar a vida da espécie humana em risco, dependem diretamente da superação
do próprio sistema para serem resolvidos. Como, por exemplo, o esgotamento
acelerado da natureza, posta a serviço do lucro na desenfreada corrida
empresarial para se produzir mais em menos tempo. Disputa que premia a empresa
vencedora com o mercado da concorrente derrotada. Nessa lógica, própria do
capital, quem se preocupar de vera com a preservação ambiental, fica pelo meio
do caminho.
O desemprego é outro imbróglio que o sistema não pode
e nem vai querer resolver. A tecnologia, no capitalismo, serve aos interesses do
lucro, e não à humanidade. Assim, quando a máquina substitui o trabalhador, a trabalhadora,
não representa um alívio para a labuta diária, mas o aumento da população de “descartáveis”.
Sem contar que a miséria de fora aumenta a pressão para a superexploração de
quem está dentro. “Se não quiser, tem quem queira.” A consequência são três
quartos da população do planeta sem acesso à felicidade transmitida nas novelas
e propagandas comerciais. Para a imensa maioria, o capitalismo não deu certo!
Marx demonstrou cientificamente ser praticamente
impossível uma saída por cima. Para ele, “a emancipação dos trabalhadores será
obra dos próprios trabalhadores.” Sua teoria não visava modelar o movimento
operário, mas fornecer-lhe elementos para uma práxis consequente, tendo como
horizonte a superação da sociedade de classes, a construção do “reino da liberdade”.
Sobre o mau uso de suas palavras, chegou a declarar informalmente ao amigo
Engels: “Não sou marxista”.
Suas ideias também chegaram à Igreja. Progressistas se
valem delas para melhor entender o papel da pessoa cristã num mundo marcado por
graves pecados sociais. Já a ala conservadora da instituição, por motivos
óbvios, faz como a mensagem lida no fez-se: o demoniza.
Cabe-nos conhecê-lo por nós mesmos, confrontar seus
ensinamentos com o mundo a nossa volta e, com base no que pretendemos
testemunhar em vida, extrair desse contato as devidas lições.
Fontes para
aprofundamento:
O jovem Marx.
Filme dirigido por Raoul Peck.
Método em Marx.
Vídeo-aula com José Paulo Netto.
Trabalho
assalariado e capital. Livro de Karl Marx.
Cristianismo e
marxismo. Livro de Frei Betto.
Por Thales Emmanuel, militante da Organização Popular (OPA) e do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Texto publicado originalmente em Informativo Redentorista, Vice-Província de Fortaleza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário