Fortaleza, 02 de novembro de 2015.
Por Thales Emmanuel*
O golpe
militar-empresarial ocorrido em 1964 no Brasil geralmente é lembrado pelos ecos
dos gritos das torturas, pelas inspiradas produções artísticas advindas de
dentro ou do exílio e pelos sons de coturnos que marchavam ladeiras a caça de
insurgentes e de suspeitos/as.
O que não
pode nunca ser esquecido, no entanto, é bom que realce a memória para o que necessita
ser constantemente lembrado.
É preciso recordar a motivação principal para o trágico primeiro de abril: a intolerância e implacabilidade inata dos que comandam a ordem social do capital, intolerante e implacável em sua lógica de funcionamento, em sua vocação para explorar e oprimir.
As Reformas de Base, uma série de medidas estruturais de caráter popular, que enfatizavam a soberania nacional, defendidas pelo então presidente João Goulart como parte fundamental de seu plano de governo, tornaram-se intragáveis para a CIA e seus aliados internos, ao ponto de, em nome da democracia, o imperialismo estadunidense condenar de “subversão pelo voto” governos legitimamente eleitos.
A cada sessão de eletrochoque, portanto, a cada contração muscular involuntária, a terra ficava mais concentrada, a política se tornava mais elitizada, os “ricos ficavam mais ricos às custas dos pobres, cada vez mais pobres”. Nas salas escuras do DOI-CODI, eram as demandas populares que gemiam desfiguradas em paus-de-arara.
Enquanto o editorial do jornal O Globo do dia 2 de abril estampava um “Ressurge a Democracia!”, em crescido itálico e negrito, e começava o parágrafo com um “Vive a nação dias gloriosos”, concluindo o texto pedindo para que “Sejamos dignos de tão grande favor”, as organizações da classe trabalhadora, sob forte repressão, iniciavam suas reflexões sobre os acontecimentos.
Teria ocorrido um isolamento do governo ao não se medir de forma correta a pressão vinda de baixo? Como explicar, então, a massiva unidade no histórico comício de 13 de março, na Central do Brasil? Uma leitura equivocada da correlação de forças, ou mesmo uma crença demasiada na institucionalidade burguesa, teria comprometido a devida preparação para o enfrentamento às iminentes adversidades?
Golpes de Estado, como o que aconteceu no Brasil em 1964, são parte integrante da institucionalidade da sociedade capitalista. Os séculos 20 e 21, para citar só a América Latina, confirmam, sem tergiversações, que as chamadas democracias, quando se abrem ao povo, tornam-se inconvenientes aos donos do poder.
Aliás, muito de golpe acontece sem que rupturas com um certo modus operandi de dominação sejam necessárias. É por isso que, mesmo atualmente, um Projeto de Lei Complementar como o 101/15, de iniciativa do executivo e aprovado no senado, enquadra como ações terroristas manifestações de caráter político e ideológico organizadas por movimentos sociais. Nos bairros operários da periferia e onde a resistência popular oferece outros sérios riscos aos interesses do capital, o Estado de Sítio não se constitui uma política de exceção, mas se institui enquanto regra. Não à toa, boa parte dos símbolos da pátria permanece personagens ligadas à autocracia da intolerância, desde nomes de avenidas à simbologia das forças armadas.
Não é de se admirar que FIESP, Banco Itaú e Rede Globo estejam no topo da pirâmide social há pelo menos 50 anos, como alicerces políticos dos regimes.
Deve ser isso que torturadores da época, convocados recentemente a depor na Comissão Nacional da Verdade, queriam explicar ao se referir a tal “consciência do dever cumprido”: uma alteração de 21 anos no curso da história para que a história pudesse seguir sem alterações.
*Thales Emmanuel é militante do
Movimento dos/as Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e da Organização
Popular (OPA).
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