terça-feira, 28 de junho de 2016

Ditadura e Manipulação Midiática

* Por PeAntônio Júlio Ferreira de Souza, C.Ss.R. 

É possível se falar em mídia no Brasil sem falar de ditadura e manipulação? Creio que seja pouco provável, por se tratar de nascedouro, pois já na sua origem a mídia brasileira vem atrelada ao que há de mais reacionário na política "A única atividade [de nossa família] em empresas é relativa à atividade [sic] política: jornal, rádio e televisão. Temos uma pequena televisão, uma das menores, talvez, da Rede Globo. E por motivos políticos. Se não fôssemos políticos não teríamos necessidade de ter meios de comunicação" ( José Sarney, Carta Capital, nº 369, de 23/11/2005, pág. 40). O fato de nascer também voltada para o comércio é um agravante na formação do modelo de mídia que nós temos.  

Altamiro Borges, no livro A Ditadura da Mídia, relata que, na revolta de Canudos (1893 -1897), o Estadão publicou artigo de Olavo Bilac saudando o cruel massacre dos camponeses. "Enfim arrasada a cidadela maldita! Enfim, dominado o antro negro, cavado no centro do adusto sertão, onde o profeta das longas barbas sujas concentrava sua força diabólica." 

Em seu livro, O Quarto Poder, Paulo Henrique Amorim diz  que "as empresas de publicidade foram fundamentais para o desenvolvimento do rádio no Brasil: pagavam pelo espaço publicitário e produziam elas próprias muitos programas, que levavam o nome das agências ou dos produtos que os patrocinavam. O melhor exemplo é o próprio Repórter Esso, escrito e produzido pela agência de notícias americana United Press Internacional (UPI) e patrocinado por um importante cliente da agência de publicidade McCann-Erickson." O Repórter Esso já existia nos Estados Unidos desde 1935 e chegou ao Brasil em agosto de 1941. 

Com a televisão brasileira não foi diferente, principalmente com a TV Globo, que, segundo Murilo César Ramos, nasce "de um acordo financeiro, técnico e comercial com uma empresa estrangeira - o que a constituição vedava -, o grupo Time-Life, dos Estados Unidos." Além disso, a Rede Globo torna-se uma das principais beneficiárias da política de integração nacional do regime militar. 

Embora a concessão seja pública, e o cidadão seja o verdadeiro dono das frequências exploradas, o Estado concede os canais para se tornarem objeto de exploração comercial. Por isso, o que acaba prevalecendo são os interesses comerciais e mercadológicos, acima dos interesses públicos. São "os barões da mídia" e "os coronéis eletrônicos" que ditam as agendas que a sociedade deve discutir. Como diz Antonio Gramsci, a mídia transforma-se num verdadeiro “partido do capital”. 

O que vemos em nossas casas pela TV, o que ouvimos pelo rádio ou o que lemos nos jornais como se fosse verdade, nada mais é do que um recorte da realidade que foi editado de acordo com os interesses dos seus donos e dos grupos políticos e empresariais que os patrocinam. Há uma distorção deliberada das informações. "É o que se verificou com as coberturas políticas da Globo em 1984, quando a campanha popular por eleições diretas não aparecia na tela da emissora: distorção deliberada e abuso de poder", diz Eugênio Bucci. 

De Getúlio a Dilma, passando por João Goulart, a mídia hegemônica vem tentando desestabilizar possíveis tentativas de implantação de governos de aproximação popular. "O Sr. Getúlio Vargas, Senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”. Carlos Lacerda, dono do jornal golpista Tribuna da Imprensa (01/05/1950)." 

Mas será que esse poder que a mídia comercial tem de manipular e silenciar vozes é inabalável? Tem-se percebido no mundo todo uma crescente resistência ao enorme poder manipulador e ditador da mídia. Os movimentos sociais e alguns  governos respaldados pelas urnas têm tido a compreensão de que sem o enfrentamento da ditadura midiática não há como construir a democracia, garantir direitos, inclusive o direito à comunicação, e romper com o sistema capitalista. A construção de uma outra mídia é possível. 

*Missionário Redentorista, Militante da Organização Popular - OPA - e Jornalista . 

domingo, 26 de junho de 2016

AONDE VOCÊ QUER CHEGAR?

* Por Eliton Meneses

Aonde você quer chegar?
Com o traseiro sentado na poltrona
E a boca aberta para o ar!
Se você não lê o que eu escrevo,
Nem me revela o que tem a falar!
Aonde você quer chegar?
No cume alvo do Himalaia,
Ou nas fossas sombrias do mar?
Se há um rio caudaloso a ser cruzado,
Mas não há ponte nem você sabe nadar.
Aonde você quer chegar?
Sem um livro para ler do seu lado,
Sem uma mão amiga a lhe consolar.
Se os seus amores estão distantes,
E as pessoas do lado esqueceu de amar.
Aonde você quer chegar?
Se o vento lhe leva como uma folha,
E a sorte não lhe resolveu bafejar.
Se a vida é uma estrada de sonhos,
E lhe falta a coragem de caminhar.
Aonde você quer chegar?
Se você não estende a mão amiga,
E a alheia miséria lhe faz gargalhar.
Se você se esconde da tempestade,
E se ufana quando começa a clarear.
Aonde você quer chegar?
Se não engana sequer a si mesmo,
A quem mais você pensa enganar?
Se a um passo encontra o abismo,
E o paraíso é tão difícil encontrar!
Aonde você quer chegar?
Se a vida não foi o sonho de criança,
E o tempo não lhe permite mais voltar.
Se não conseguiu melhorar o mundo,
Ao menos a si mesmo procure mudar!


* Eliton Meneses é poeta e Defensor Público no estado do Ceará.



sexta-feira, 17 de junho de 2016

Política Politiza?

Fortaleza-CE, 17 de junho de 2016.
Por Thales Emmanuel*

De 2013 para cá, o tema “política” tem se espalhado e pautado, nos mais variados ambientes, os mais diversos tipos de conversa. Do assento do ônibus, um senhor comenta com a passageira ao lado: “O bebê da minha vizinha morreu ontem por inalar Vick Vaporub, acredita?”. Depois de uma breve pausa, conclui: “A culpa é do PT!”. Em outro caso, o sujeito dá um “Bom dia!” e, do outro lado, vem a resposta: “Peraí! Antes de mais nada, Fora Temer!”.
Seriam estas expressões do senso comum? Até onde a política politiza? Ou: Que política politiza? Qual intervenção cabe à militância das causas populares num cenário de consciências espremidas por lados tão aparentemente distintos e distinções hora ou outra tão tênues? Em que medida e aspectos não estariam as cabeças em disputa sendo prensadas por pás constituintes de um mesmo torno?
Retomando 2013, é possível que o principal papel que as manifestações de massa de junho cumpriram tenha sido o de reescancarar relevantes doenças sociais, ao mesmo tempo, e a seu modo, que preceituava formas de cura.
A ausência de direção política não impediu que quatro pontos centrais fossem bem definidos naqueles dias: 1) estruturação dos serviços públicos, sobretudo transporte, saúde e educação; 2) crítica à concentração do controle dos meios de comunicação, tendo a Rede Globo como alvo central da artilharia; 3) ataque ao comando do poder econômico, mais incisivamente aos bancos estrangeiros; e 4) uma evidente condenação da democracia representativa burguesa.
Se é correto o diagnóstico advindo daí, por que então as reivindicações não ganham o merecido destaque agora, quando as mobilizações se encontram com direção política minimamente condensada? Os motivos que impedem a direita de fazê-lo são óbvios. Mas a esquerda, o que a atrapalha de dirigir suas lutas com base num programa propositivo?
Em 2003, quando o MST atingiu o maior número de famílias acampadas de sua história, a justificativa para a não Reforma Agrária foi a ausência de um amplo movimento de massas que servisse de sustentação para que o Partido dos Trabalhadores conseguisse enveredar por esses rumos.
Dez anos depois, em 2013, um movimento “amplo”, “de massas” finalmente eclode nas ruas do Brasil. “Mas, cadê? Não tem direção?!”, “Está tudo muito disperso!”. Alguns até alegam que se trata da mais pura artimanha da direita. Pressionada, Dilma ensaia saída que dialogue com as críticas ao sistema político. À direita, sua base aliada no Congresso reage negativamente e a presidenta recua.
O tema do sistema político reaparece na campanha eleitoral, em 2014, servindo de embarque a organizações de esquerda, mas some logo que a presidenta é reeleita. A justificativa agora é o chamado “terceiro turno”, que se inicia. Nele, uma série de medidas antipopulares é adotada pelo governo, tanto por não ousar mudar o receituário econômico vigente, quanto por se esperar da direita mais à direita uma complacência que não veio.
No primeiro trimestre deste ano, um mandado coercitivo contra o ex-presidente Lula serviu de estopim para enormes contingentes de setores progressistas saírem às ruas. O ataque não era destinado só ao PT.
Desta vez, Lula e Dilma vão até às massas, agora razoavelmente coordenadas. Nos discursos, o PT substitui “ruptura constitucional”, ou “impeachment”, por “golpe”, e só. (Se o PT não vira à esquerda, a esquerda vira o PT?)
Acanhada, temerosa ante um isolamento do Partido dos Trabalhadores e um consequente fortalecimento da direita, o movimento engole a seco a pauta propositiva. A mesma pauta que, anteriormente, pouco visibilizada pelo temor já citado, só servira para arregimentar os arregimentados, evangelizar os evangelizados.  
Neste sentido, enquanto a direita engana, dizendo que, contra a corrupção, vai derrubar primeiro Dilma e seguir na rua para, depois, retirar Temer; a esquerda se ilude, na necessária luta contra o golpe, ao substituir a possibilidade de consolidação de um programa mínimo, que se vincule às necessidades da classe, pelos estandartes “de um guerreiro e de uma guerreira do povo brasileiro”.
No mesmo bojo, a estrutura social, que engendra a forma política atual, vai sendo esquecida das análises. PT, PSDB, DEM, Tia Eron e as ruas já podem comemorar, inclusive, a aprovação de um “Fora Cunha!” comum – mas não unificado – no Conselho de Ética da Câmara.
É como diz Hobsbawm: “O principal propósito da política partidária burguesa, no que tange ao objetivo existencial de dominação, é impedir que se transforme em política de classes.” (Confira as palavras do historiador observando a direção do processo ora em curso: das ruas para o PT; no PT se tornando poder de barganha nas negociações de fidelidade no Congresso; e, dos mandatos, indo para o atendimento dos interesses de classe de seus financiadores de campanha, que são os mesmos de Temer e de Aécio. Não é de se estranhar a pressão para que as manifestações populares não escapem a certo padrão “ordeiro”.)
A luta pela prisão de Cunha não deve esconder ou mascarar as contradições do sistema, mas explicitá-las. Para tanto, precisa servir de mote, de base para compreensão de que a “burguesia não comanda porque é maioria no Congresso, mas é maioria porque comanda, de fora, o Congresso”. Porque comanda a propriedade da terra, porque a FIESP e os bancos comandam a economia, porque controla os meios de comunicação, o poder judiciário, as forças armadas. A política que não apontar para o desvelamento das relações sociais capitalistas não conseguirá chegar à substância essencial que dá fôlego aos golpes de Estado e será uma política que despolitiza.
Concluo com alguns lembretes: o Congresso Nacional não é a expressão fidedigna da consciência política das massas. Em outras palavras, se ele é majoritariamente conservador, não significa dizer que reflete necessariamente a consciência de um povo conservador. Isso porque a política que verdadeiramente tem o poder de politizar não se encontra na exatidão do resultado das urnas eletrônicas, mas difusa, nas entrelinhas da vontade reprimida das massas populares. E só indo até elas é possível encontrar o real sentido do aparente absurdo de associar Vick Vaporub com PT e “Bom dia!” com “Fora Temer!”, além de poder descobrir porque a imensa parcela da periferia urbana “ainda” não desceu o morro para defender a “democracia”.




*Thales Emmanuel é militante do Movimento dos/as Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e da Organização Popular (OPA).

quinta-feira, 9 de junho de 2016

FECHEM AS TORNEIRAS! ENQUANTO AS COMPORTAS PERMANECEM ABERTAS.

Por Josenilson Doddy*

O Brasil é considerado a maior potência hídrica do planeta, devido as suas tantas fontes e aos seus grandes reservatórios de água potável. No entanto, há algo contraditório, pois o mesmo está passando por uma crise hídrica, onde a escassez de água e as problemáticas com a falta deste bem tem sido algo muito visível e alarmante, principalmente para as comunidades rurais do sertão e regiões periféricas das grandes cidades.  

Antes, um problema que diziam ser somente da região Nordeste do país, hoje atinge toda a população, inclusive nas regiões Sul e Sudeste, como, por exemplo, o estado de São Paulo, que enfrentoa maior seca de sua história. Onde as pessoas das periferias sentiram na pele a mesma dor e tristeza que sentem os agricultores nordestinos. O quadro é tão alarmante que nem mesmo a mídia fascista, como a Rede Globo, consegue abafar, embora tentdistorcer, centralizando a culpa no indivíduo e na parte da população que mais sofre com essa catástrofe, dizendo que fechem suas torneiras, como se isso resolvesse a crise e fosse a real causa do problema. 

O estado do Ceará passa por quatro anos de forte seca, que deve se estender por todo 2016, segundo FUNCEME. Algo muito preocupante. Em novembro do ano passado, 80 açudes (de 153 no total) estavam com menos de 10% de sua capacidade e 139 municípios já se encontravam em situação de emergência por falta de água.  

No alto da Chapada do Apodi-Limoeiro do Norte-CE (a 198 km de Fortaleza), os moradores recebem em suas torneiras água contaminada com resquícios de diferentes tipos de agrotóxicos, o que faz desta água uma ameaça à saúde, dados estes de uma pesquisa da Faculdade de Medicina da UFC-Universidade Federal do CearáEsta contaminação é devido aos grandes projetos do agronegócio implantados na região. 

Ou seja, além destas empresas nacionais e multinacionais usarem quase toda a água da região com seus perímetros irrigados, ainda contaminam a que é de uso da população.  

A Termelétrica dPecém consome 800 litros de água por segundo, fazendo faltar para 600.000 cearenses. Além desse uso exacerbado, a mesma é a maior emissora de CO2 do estado do Ceará, sendo que esta recebe 50% de desconto no pagamento de sua água, o que chega a ser um absurdo e uma falta de respeito para com a população.  

Pesquisas mostram que na região Jaguaribana do Ceará as empresas da carcinicultura (criação de camarão) gastam em média 60.000 mil litros de água para produzir apenas 1 quilo de camarão. Em apenas uma dessas empresas existem 60 poços perfurados para abastecimento dos tanques.  

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo também na distribuição de seus recursos hídricos. O controle de desperdício sobre o consumo individual precisa acontecer, mas não resolverá o problema, já que os maiores responsáveis continuam a exaurir toda água para atender suas planilhas de lucratividade, e nenhuma medida substancial é tomada para que eles sejam impedidos de destruir a vida.  

Enquanto não cortarmos o mal pela raiz, viveremos num mundo de caos, crises políticas, econômicas, sociais, ambientais e humanas. Ou derrubamos o sistema capitalista ou ele destruirá tudo.  

*Josenilson Doddy é militante da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e da Organização Popular (OPA).