* Por Pe. Antônio Júlio Ferreira de Souza, C.Ss.R.
É possível se falar em mídia no Brasil sem falar de ditadura e manipulação? Creio que seja pouco provável, por se tratar de nascedouro, pois já na sua origem a mídia brasileira vem atrelada ao que há de mais reacionário na política "A única atividade [de nossa família] em empresas é relativa à atividade [sic] política: jornal, rádio e televisão. Temos uma pequena televisão, uma das menores, talvez, da Rede Globo. E por motivos políticos. Se não fôssemos políticos não teríamos necessidade de ter meios de comunicação" ( José Sarney, Carta Capital, nº 369, de 23/11/2005, pág. 40). O fato de nascer também voltada para o comércio é um agravante na formação do modelo de mídia que nós temos.
Altamiro Borges, no livro A Ditadura da Mídia, relata que, na revolta de Canudos (1893 -1897), o Estadão publicou artigo de Olavo Bilac saudando o cruel massacre dos camponeses. "Enfim arrasada a cidadela maldita! Enfim, dominado o antro negro, cavado no centro do adusto sertão, onde o profeta das longas barbas sujas concentrava sua força diabólica."
Em seu livro, O Quarto Poder, Paulo Henrique Amorim diz que "as empresas de publicidade foram fundamentais para o desenvolvimento do rádio no Brasil: pagavam pelo espaço publicitário e produziam elas próprias muitos programas, que levavam o nome das agências ou dos produtos que os patrocinavam. O melhor exemplo é o próprio Repórter Esso, escrito e produzido pela agência de notícias americana United Press Internacional (UPI) e patrocinado por um importante cliente da agência de publicidade McCann-Erickson." O Repórter Esso já existia nos Estados Unidos desde 1935 e chegou ao Brasil em agosto de 1941.
Com a televisão brasileira não foi diferente, principalmente com a TV Globo, que, segundo Murilo César Ramos, nasce "de um acordo financeiro, técnico e comercial com uma empresa estrangeira - o que a constituição vedava -, o grupo Time-Life, dos Estados Unidos." Além disso, a Rede Globo torna-se uma das principais beneficiárias da política de integração nacional do regime militar.
Embora a concessão seja pública, e o cidadão seja o verdadeiro dono das frequências exploradas, o Estado concede os canais para se tornarem objeto de exploração comercial. Por isso, o que acaba prevalecendo são os interesses comerciais e mercadológicos, acima dos interesses públicos. São "os barões da mídia" e "os coronéis eletrônicos" que ditam as agendas que a sociedade deve discutir. Como diz Antonio Gramsci, a mídia transforma-se num verdadeiro “partido do capital”.
O que vemos em nossas casas pela TV, o que ouvimos pelo rádio ou o que lemos nos jornais como se fosse verdade, nada mais é do que um recorte da realidade que foi editado de acordo com os interesses dos seus donos e dos grupos políticos e empresariais que os patrocinam. Há uma distorção deliberada das informações. "É o que se verificou com as coberturas políticas da Globo em 1984, quando a campanha popular por eleições diretas não aparecia na tela da emissora: distorção deliberada e abuso de poder", diz Eugênio Bucci.
De Getúlio a Dilma, passando por João Goulart, a mídia hegemônica vem tentando desestabilizar possíveis tentativas de implantação de governos de aproximação popular. "O Sr. Getúlio Vargas, Senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”. Carlos Lacerda, dono do jornal golpista Tribuna da Imprensa (01/05/1950)."
Mas será que esse poder que a mídia comercial tem de manipular e silenciar vozes é inabalável? Tem-se percebido no mundo todo uma crescente resistência ao enorme poder manipulador e ditador da mídia. Os movimentos sociais e alguns governos respaldados pelas urnas têm tido a compreensão de que sem o enfrentamento da ditadura midiática não há como construir a democracia, garantir direitos, inclusive o direito à comunicação, e romper com o sistema capitalista. A construção de uma outra mídia é possível.
*Missionário Redentorista, Militante da Organização Popular - OPA - e Jornalista .
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