Fortaleza-CE, 17 de junho de 2016.
Por Thales
Emmanuel*
De 2013 para cá, o tema “política” tem se espalhado e pautado, nos mais
variados ambientes, os mais diversos tipos de conversa. Do assento do ônibus,
um senhor comenta com a passageira ao lado: “O bebê da minha vizinha morreu ontem
por inalar Vick Vaporub, acredita?”. Depois de uma breve pausa, conclui: “A culpa
é do PT!”. Em outro caso, o sujeito dá um “Bom dia!” e, do outro lado, vem a
resposta: “Peraí! Antes de mais nada, Fora Temer!”.
Seriam estas expressões do senso comum? Até onde a política politiza? Ou:
Que política politiza? Qual intervenção cabe à militância das causas populares
num cenário de consciências espremidas por lados tão aparentemente distintos e
distinções hora ou outra tão tênues? Em que medida e aspectos não estariam as
cabeças em disputa sendo prensadas por pás constituintes de um mesmo torno?
Retomando 2013, é possível que o principal papel que as manifestações de
massa de junho cumpriram tenha sido o de reescancarar relevantes doenças
sociais, ao mesmo tempo, e a seu modo, que preceituava formas de cura.
A ausência de direção política não impediu que quatro pontos centrais
fossem bem definidos naqueles dias: 1) estruturação dos serviços públicos,
sobretudo transporte, saúde e educação; 2) crítica à concentração do controle
dos meios de comunicação, tendo a Rede Globo como alvo central da artilharia;
3) ataque ao comando do poder econômico, mais incisivamente aos bancos
estrangeiros; e 4) uma evidente condenação da democracia representativa
burguesa.
Se é correto o diagnóstico advindo daí, por que então as reivindicações
não ganham o merecido destaque agora, quando as mobilizações se encontram com
direção política minimamente condensada? Os motivos que impedem a direita de
fazê-lo são óbvios. Mas a esquerda, o que a atrapalha de dirigir suas lutas com
base num programa propositivo?
Em 2003, quando o MST atingiu o maior número de famílias acampadas de sua
história, a justificativa para a não Reforma Agrária foi a ausência de um amplo
movimento de massas que servisse de sustentação para que o Partido dos
Trabalhadores conseguisse enveredar por esses rumos.
Dez anos depois, em 2013, um movimento “amplo”, “de massas” finalmente eclode
nas ruas do Brasil. “Mas, cadê? Não tem direção?!”, “Está tudo muito
disperso!”. Alguns até alegam que se trata da mais pura artimanha da direita. Pressionada,
Dilma ensaia saída que dialogue com as críticas ao sistema político. À direita,
sua base aliada no Congresso reage negativamente e a presidenta recua.
O tema do sistema político reaparece na campanha eleitoral, em 2014,
servindo de embarque a organizações de esquerda, mas some logo que a presidenta
é reeleita. A justificativa agora é o chamado “terceiro turno”, que se inicia. Nele,
uma série de medidas antipopulares é adotada pelo governo, tanto por não ousar
mudar o receituário econômico vigente, quanto por se esperar da direita mais à
direita uma complacência que não veio.
No primeiro trimestre deste ano, um mandado coercitivo contra o
ex-presidente Lula serviu de estopim para enormes contingentes de setores
progressistas saírem às ruas. O ataque não era destinado só ao PT.
Desta vez, Lula e Dilma vão até às massas, agora razoavelmente coordenadas.
Nos discursos, o PT substitui “ruptura constitucional”, ou “impeachment”, por
“golpe”, e só. (Se o PT não vira à esquerda, a esquerda vira o PT?)
Acanhada, temerosa ante um isolamento do Partido dos Trabalhadores e um consequente
fortalecimento da direita, o movimento engole a seco a pauta propositiva. A
mesma pauta que, anteriormente, pouco visibilizada pelo temor já citado, só
servira para arregimentar os arregimentados, evangelizar os evangelizados.
Neste sentido, enquanto a direita engana, dizendo que, contra a corrupção,
vai derrubar primeiro Dilma e seguir na rua para, depois, retirar Temer; a
esquerda se ilude, na necessária luta contra o golpe, ao substituir a
possibilidade de consolidação de um programa mínimo, que se vincule às
necessidades da classe, pelos estandartes “de um guerreiro e de uma guerreira
do povo brasileiro”.
No mesmo bojo, a estrutura social, que engendra a forma política atual,
vai sendo esquecida das análises. PT, PSDB, DEM, Tia Eron e as ruas já podem
comemorar, inclusive, a aprovação de um “Fora Cunha!” comum – mas não unificado
– no Conselho de Ética da Câmara.
É como diz Hobsbawm: “O principal propósito da política partidária
burguesa, no que tange ao objetivo existencial de dominação, é impedir que se
transforme em política de classes.” (Confira as palavras do historiador
observando a direção do processo ora em curso: das ruas para o PT; no PT se tornando
poder de barganha nas negociações de fidelidade no Congresso; e, dos mandatos, indo
para o atendimento dos interesses de classe de seus financiadores de campanha,
que são os mesmos de Temer e de Aécio. Não é de se estranhar a pressão para que
as manifestações populares não escapem a certo padrão “ordeiro”.)
A luta pela prisão de Cunha não deve esconder ou mascarar as contradições
do sistema, mas explicitá-las. Para tanto, precisa servir de mote, de base para
compreensão de que a “burguesia não comanda porque é maioria no Congresso, mas
é maioria porque comanda, de fora, o Congresso”. Porque comanda a propriedade
da terra, porque a FIESP e os bancos comandam a economia, porque controla os
meios de comunicação, o poder judiciário, as forças armadas. A política que não
apontar para o desvelamento das relações sociais capitalistas não conseguirá chegar
à substância essencial que dá fôlego aos golpes de Estado e será uma política
que despolitiza.
Concluo com alguns lembretes: o Congresso Nacional não é a expressão
fidedigna da consciência política das massas. Em outras palavras, se ele é
majoritariamente conservador, não significa dizer que reflete necessariamente a
consciência de um povo conservador. Isso porque a política que verdadeiramente tem
o poder de politizar não se encontra na exatidão do resultado das urnas
eletrônicas, mas difusa, nas entrelinhas da vontade reprimida das massas
populares. E só indo até elas é possível encontrar o real sentido do aparente
absurdo de associar Vick Vaporub com PT e “Bom dia!” com “Fora Temer!”, além de
poder descobrir porque a imensa parcela da periferia urbana “ainda” não desceu
o morro para defender a “democracia”.
*Thales Emmanuel é militante do Movimento dos/as
Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e da Organização Popular (OPA).
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