sábado, 24 de setembro de 2016

FANTASMAS DO PASSADO


Por Eliton Meneses*


Todo o discurso reacionário, que vocifera raivosamente preconceito e ignorância, no propósito de estabelecer um projeto de poder alinhado com os interesses da elite, pode ser desmontado a partir da leitura dos sete primeiros (apenas dos sete primeiros) artigos da Constituição Federal. Eis alguns exemplos:

1) A nossa elite, como dizia Celso Furtado, vive com um pé no Brasil, mas com o coração na Europa e nos Estados Unidos, e, por esse sentimento, se insurge contra qualquer aproximação com os países da América Latina, num desejo inconsciente de que o Brasil continue na condição de mera colônia das economias hegemônicas; no entanto, o parágrafo único do art. 4.º da Constituição Federal dispõe que: "A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações." Ou seja, a Constituição Federal orienta que a integração prioritária ocorra com os povos da América Latina e não com os europeus e norte-americanos, como deseja a elite;

2) A nossa elite tem ojeriza ao modelo político adotado, por exemplo, por Cuba, Venezuela e Bolívia, e, por essa razão, deseja que o Brasil lhes vire as costas; no entanto, o art. 4.º da Constituição dispõe que a República Federativa do Brasil rege-se, nas suas relações internacionais, dentre outros princípios, pelo da autodeterminação dos povos e pelo da não-intervenção (incisos III e IV), o que impede que o Brasil se imiscua na política interna de Cuba, Venezuela e Bolívia, bem como que desista da integração com esses povos por razão de política interna;

3) O ódio elitista contra os programas sociais, alimentado por preconceitos, especialmente contra pobres, negros, nordestinos e comunidade LGBT, não sabe que o art. 3.º da Constituição Federal encarta como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I), a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (inciso III), além da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inciso IV);

4) A nossa elite empregadora, herdeira de uma tradição escravagista, não é muito chegada a direitos trabalhistas, mas é o art. 7.º da Constituição Federal que atribui, justa e merecidamente, um considerável rol de direitos aos trabalhadores urbanos e rurais, muitos dos quais também assegurados aos trabalhadores domésticos (parágrafo único);

5) O discurso autoritário e prepotente da elite prega o uso da força e da intolerância como solução imediatista para muitos dos nossos males, a partir sobretudo do endurecimento da legislação penal, cujo alvo quase exclusivo seria a população vulnerável social e economicamente, mas felizmente esse discurso horrendo esbarra em muitas garantias constitucionais; com efeito, o art. 1.º da Constituição Federal dispõe como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (inciso III), o art. 4.º da mesma Constituição Federal adota o princípio da prevalência dos direitos humanos e o art. 5.º elenca uma série de direitos e garantias fundamentais do cidadão e da cidadã, todos tendentes a desautorizar qualquer discurso autoritário...

Enfim, parafraseando Renato Russo, a onda reacionária não respeita a Constituição, mas diz que acredita no futuro da nação...



*Eliton Meneses é poeta e defensor público no estado do Ceará.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

OUVERDOSE DE HERÓIS E FABRICAÇÃO DE SUPERESPECTADORES



Por Josenilson Doddy*

Heróis, figuras de um poder extremamente ideológico, capazes de manipular a construção da consciência crítica das pessoas. Por trás de cada figura heróica e suas narrativas históricas existe um jogo de interesses que convida a segui-la.

Qual criança ou adulto não deseja ser herói, dotada de superpoderes e personalizando o que há de mais belo e de mais justo? Defensores do bem estar social e contra todos aqueles que se encontram do lado do mal.

A ficção exerce imenso poder sobre a realidade. Através das telinhas superluminosas da mídia somos abduzidos à cultura do comodismo. Para que preocupação? Se as coisas não vão bem, acalme-se! Logo, logo um super-herói aparecerá trazendo a salvação.  

No mesmo rumo vai a ideia de resolver tudo pelo povo, em nome do povo. Quem disse que uma figura dotada de poderes sobre-humanos é mais capaz de resolver os problemas sociais do que o próprio povo organizado, atingido diretamente por tais problemas? “Quem disse que o cego não pode enxergar?”

Heróis não podem ser confundidos com mártires. Enquanto um separa, personaliza e acomoda; o outro tem sua trajetória marcada pela mistura, coletivizando-se e contribuindo para o despertar da consciência crítica. No encalço da martirização há sempre um rastro de transformação, de semente de libertação. Onde pisam os heróis, nem tiririca nasce.

Na estratégia de manipulação de mentes da política partidária eleitoral este processo é bastante utilizado para a aparição apoteótica dos candidatos. São os heróis do povo e seus superpoderes. As câmaras parlamentares? A própria Liga da Justiça. Para que participação popular nas decisões, quando se tem superrepresentantes? De que vale a luta popular, diante de superdiscursos? O imaginário coletivo é invadido pela ficção sem que, antes, esta seja identificada como tal.

No judiciário, os heróis de toga são apresentados como semideuses guardiões da Verdade. Além do poder de raio-X, são imunes à parcialidade das urnas, à "prestatividade" das corporações e à criptonita. O fato de falarem a mesma língua da mídia comercial e outros setores conservadores não passa de uma supercoincidência, superrecorrente devido à supercompetência em separar o legal do ilícito nos autos.

É em nome do povo que o superjuiz, Sérgio Mouro, vem intimando seletivamente os aqui-inimigos da Verdade. Que Verdade?! Ora, pois! A única! Não existe conciliação de classes quando o assunto é exercício de poder na Liga da Justiça.

Os heróis são internalizados nas consciências para que o povo não enxergue a realidade, para que não veja a trama dominante contida nas linhas e entrelinhas da Veja. Na sociedade capitalista, a burguesia controla os meios de difusão de ideias e, consequentemente, os meios de fabricação de heróis.

Assim, chega de heróis, de estruturas fabricantes de heróis! Construamos com as nossas próprias mãos o poder popular, capaz de apontar no rumo da sociedade que precisam e almejam as pessoas cuja força reside na organização. “Sejamos nós que conquistemos a terra mãe, livre e comum.”

*Josenilson Doddy é militante da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e da Organização Popular (OPA).

sábado, 3 de setembro de 2016

"Não se pode servir a dois Senhores"

PeJulio Ferreira, C.Ss.R

Vejo-me mais uma vez diante de uma cartilha da CNBB motivando os cristãos a participarem da política, agora intitulada: "O cidadão consciente participa da política." Já vimos outras como: "Voto não tem preço, tem consequência."  

Logo na introdução da cartilha, uma fala do Papa Francisco: 
"Para o cristão, é uma obrigação envolver-se na política. Nós, cristãos, não podemos fazer como Pilatos: lavar as mãos. Não podemos! Devemos nos envolver na política, pois a política é uma das formas mais altas da caridade, porque busca o bem comum. E os leigos cristãos devem trabalhar na política." 

O conteúdo da cartilha não traz nada de novidade, apenas repete as mesmas generalizações de sempre: "Para escolher e votar bem, é imprescindível conhecer, além dos programas dos partidos, os candidatos e sua proposta de trabalho, sabendo distinguir claramente as funções para as quais se candidatam." E ainda: "A Igreja Católica não assume nenhuma candidatura, mas incentiva os cristãos leigos e leigas, que têm vocação para militância político-partidária, a se lançarem candidatos." 

A meu ver, essa relação da Igreja com a política parece com aquilo que Jesus fala sobre ser morno e ser vomitado. Mesmo que o Papa Francisco fale em não sermos como Pilatos, acabamos sendo. Enquanto instituição, lavamos as mãos. Deixamos a responsabilidade para o cristão leigo e, ao mesmo tempo, não damos suporte, apenas "incentivamos". Esse é uma dos motivos de termos "cristãos" servindo a dois senhores, haja vista a posição dos deputados ditos católicos durante o processo de impedimento da Presidenta Dilma.
  
Se o Papa Francisco diz que esse sistema não se sustenta mais, pois é insuportável, como continuar a defendê-lo? Ou como não atacá-lo? 

A própria CNBB, em nota, durante todo esse processo, mesmo sabendo que estávamos diante de mais um golpe, lavou as mãos, dizendo apenas 
"Ao se pronunciar sobre questões políticas, a CNBB não adota postura político-partidária. Não sugere, não apoia ou reprova nomes, mas exerce o seu serviço à sociedade, à luz dos valores e princípios fundamentais da Doutrina Social da Igreja. Desse modo, procura respeitar a opção política de cada cidadão e a justa autonomia das instituições democráticas, incentivando a participação responsável e pacífica dos cristãos leigos e leigas na política. "

Se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor. Essas palavras de Desmond Tutu devem ecoar em nós, pois não tem como se fazer política ficando em cima do muro. E esse não foi o legado que Jesus Cristo deixou para nós. Com certeza os omissos serão julgados pela História. o se pode cair no simplismo de apelar para a consciência, quando se está diante de um projeto declarado de morte imposto pela burguesia. 

Os ritos processuais em ralação a Jesus também foram respeitados e, como nós sabemos, mataram um inocente.