domingo, 28 de maio de 2017

"Não confunda a reação do oprimido com a violência do opressor"


Por Pe. Júlio Ferreira, C.Ss.R.*

Estava longe, participando de um encontro da Congregação, em Bogotá, na Colômbia, de onde acompanhei a manifestação da classe trabalhadora e oprimida em Brasília, lutando contra o vandalismo do Estado e exigindo “Diretas Já!”. Uma manifestação que já está na história de nossas lutas, sem dúvida nenhuma. Por isso mesmo se fazem necessárias algumas considerações.

Fiquei surpreso, ao ouvir de manifestantes, recepcionados pelo exército e por todo o aparato de armas letais e não letais, que estavam em "manifestação pacífica". “Seriam ovelhas indo para o matadouro, incapazes de reação?”, pensei. Veio-me à mente o filme "A missão", quando os povos dessa terra foram dizimados, sem poderem reagir por causa da fé que lhes haviam imposto.

Mais surpreso ainda fiquei com as críticas de próprios organizadores quando parte dos manifestantes decidiu reagir à violência do Estado. “Vândalos e baderneiros”, os mesmos termos utilizados pelo PIG – Partido da Imprensa Golpista. Quem sabe não foi essa corajosa reação contra o Estado que evitou uma tragédia ainda maior. A ação deles me faz lembrar o jovem Davi, que, diante da covardia de muitos, enfrentou a fúria de Golias apenas com uma pedra.

Não podemos alimentar um pensamento burguês de tornar nossas manifestações a imagem e semelhança do que eles querem e desejam. Não confundamos nós "a reação do oprimido com a violência do opressor", pois é justamente essa a vontade da classe dominante.

Lembro de um canto das Comunidades Eclesiais de Base que diz: “Já chega de tanto sofrer/ já chega de tanto esperar/ a luta vai ser tão difícil/ na lei ou na marra/ nós vamos ganhar”.

Os verdadeiros vândalos estão, nesse momento, em Brasília, arquitetando as mais sórdidas investidas contra a classe trabalhadora.

*Padre Júlio Ferreira é jornalista, Missionário Redentorista e militante da Organização Popular (OPA).


sexta-feira, 26 de maio de 2017

Os Dez Mandamentos do Capitalismo

Após séculos caminhando pelo deserto, avistou ao longe o que parecia uma civilização.
“Será a ‘terra prometida’?”, perguntou.
Em resposta, como forma de explicar ao peregrino o mundo que estava prestes a conhecer, entregou-lhe Deus uma tábua e, em seguida, preveniu-o:
“Eis o capitalismo. Prepara-te!”

Os Dez Mandamentos do Capitalismo
1° Adorarás o dinheiro e o amarás sobre todas as pessoas – no capitalismo, tudo vai sendo transformado em mercadoria. As pessoas passam a valer o que possuem. Direitos básicos, conquistados com a luta do povo - como saúde, educação e moradia -, são transformados em ofertas de mercado, acessíveis ou inacessíveis conforme o tamanho do bolso. Privatização é o nome dado ao privilégio conferido a uma minoria para lucrar com a negação de direitos da maioria. O dinheiro representa a mercadoria universal, a qual todas as demais devem reverência.
2° Explorarás o teu próximo como nunca farias a ti mesmo – como sabe, na Bíblia, a expulsão do paraíso veio junto com a profecia: “com o suor do teu rosto comerás o teu pão”. Disse isso para Adão e Eva após se alimentarem do fruto do conhecimento. Mas o troço não funcionou como previ. No capitalismo, suor e pão se encontram apartados pela propriedade privada dos meios capazes de transformar uma coisa na outra (as fábricas, por exemplo, não pertencem à coletividade social de quem trabalha, mas a uma pessoa apenas ou a um grupo reduzido de pessoas). Confesso pra você: o problema só pode ser resolvido de duas maneiras: ou se muda a profecia (“com o suor alheio te esbanjarás de pão, pão que não produziste”, por exemplo) ou se muda o modo de produção.
3° Não falarás em luta de classes em vão – os meios de comunicação são controlados por uma minoria muito rica e lhe lembrarão diariamente que todas as pessoas são iguais perante a lei, perante Mim e perante a seleção de futebol. Omitirão que pobres são empobrecidos justamente para que ricos sigam cada vez mais enriquecidos. Em consequência, lidam com o povo como se fossem números, consumidores, telespectadores, eleitores. Assim o iguala pelo menos na aparência. A morte e a caridade são apresentadas como provas cabais dessa suposta homogênea homossapiência. Diante das dificuldades, pedem aos pobres paciência, mansidão. Dizem para esperar sua vez, que está chegando. Para essa cambada de hipócritas, não houve luta de classes entre o povo hebreu escravizado e as forças do faraó. E o que teria ocorrido, então? Moisés, por acaso vocês tiraram férias e foram passear nos Lençóis Maranhenses?
4° Honrarás os padrões – os valores e normas da sociedade burguesa (outro nome para capitalismo) se impõem à diversidade humana de forma colonizadora. Isto significa que a dominação de classe se reproduz e se sustenta pela difusão de modelos que servem à marginalização de tudo o que não lhe é igual, uma espécie de segregação integrada. Os traços físicos, o jeito de expressar os sentimentos, a orientação sexual e afetiva, o gênero, o protótipo de família, a cor da pele, a oralidade, a vestimenta, a maneira de caminhar; enfim, as diferenças não são celebradas pelo capital, mas perseguidas, enquadradas para que não se constituam efetivamente como diferenças. O pobre é aceito quando dócil; o negro, quando embranquece o comportamento; o gay, quando reservado. O projeto do capital pretende tudo à sua imagem e semelhança.
5° Não matarás se não for com o aval do lucro – aproximadamente 1000 bases militares instaladas em todo o planeta, mais de trilhão de dólares gastos por ano em guerras, maior população carcerária do mundo... Os números vindos de um país chamado Estados Unidos demonstram que o capital se sustenta pelo uso contínuo da violência. No Brasil, os donos do agronegócio assassinam com armas de fogo e com agrotóxico diariamente, mas, ao invés de punição, recebem é mais incentivo do Estado (financiamento, isenção de impostos, infraestrutura). Sem justiça não há paz.
6° A política não cometerás adultério contra a economia – o casamento da economia com a política é para toda eternidade. Quanto mais concentrada é a riqueza, mais concentrada é a interferência sobre a política. Lembra dos faraós? Pois é, os de hoje em dia possuem muito mais poderes. Ao contrário do que uma caixinha luminosa apelidada de televisão quer fazer crer, o pecado original dos problemas sociais não é o caixa 2, mas o caixa 1. A existência e legitimidade do caixa 1 é quem privatiza e autoriza a privatização da política por parte dos mais ricos. Não teria caixa 2 se não houvesse caixa 1. Lembre-se: a burguesia não domina porque tem maioria; ela tem maioria porque domina.
7° Não pouparás a natureza – vai se assustar quando vir o que fizeram com o paraíso. Como, no capitalismo, a produção é voltada para o lucro, necessidades artificiais são criadas para dar voracidade ao consumo. Por sua vez, o consumismo torna a produção sedenta de mais produção. As empresas concorrem para ver quem produz mais em menos tempo. A que conseguir, toma o mercado da outra. Criei a natureza com poder de regeneração infinito, pensando na eternidade da criação, mas a velocidade do ciclo de destruição capitalista é tão insana, que a Mãe Terra não tem conseguido acompanhar a reposição necessária da vida. Para desviar o foco das causas estruturais, os donos do poder responsabilizam o indivíduo com campanhas que convocam para um suposto “consumo consciente”. Puro fermento de saduceu! Não há reciclagem que dê jeito ao sistema capitalista. 
8° Não deixarás de levantar falso testemunho – só há duas forças capazes de alterar o curso dessa história, e a primeira está impossibilitada de fazê-lo. Prometi a Noé que não me meteria mais na vida humana, ao menos não tão diretamente. A segunda força, na verdade a única, que pode assumir essa missão, é a união e luta do povo oprimido, empobrecido, a classe trabalhadora, explorada, como queira chamar. A coisa só muda se essa gente fizer como vocês fizeram no Egito. A questão é que não há mais para onde fugir. Daí o medo dos poderosos. Eles sabem que um novo Êxodo representaria o fim de todos os tronos e de toda escravidão. E é justamente por esse motivo que utilizam seus potentes meios de comunicação para espalhar mentiras contra os que lutam. É uma maneira de jogar povo contra povo, de dividir para governar.
9° Não desejarás outra sociedade – o individualismo, base competitiva do comportamento predominante no capitalismo, é usado para inculcar saídas enganosas nas pessoas. Falsos profetas falam de ascensões egoístas e de um céu que só existirá depois da morte. E tudo em meu nome. Haja onipaciência! O sonho do consumismo será propagandeado como único sonho possível. Assim, envelhecem a juventude antes que esta se torne um risco ao sistema. Envelhecer é esvaziar-se de utopia. Contra o não-poder de consumo dos bairros populares, usam o chicote. Pobres de farda são utilizados para dispersar permanentemente pobres não fardados. Os de cima querem que a política seja encarada como arte do possível – tentar melhorar o que está posto, não superá-lo –, isso para que não se extrapole os limites de sua dominação. E o fazem cultuando a indiferença para com a dor do próximo, da próxima. É como disse certa vez uma aguerrida apóstola: “socialismo ou barbárie.” “Socialismo” é como algumas pessoas nesse mundo se referem à proposta do Reino.
10° Não violarás nenhum dos mandamentos – este é para dizer que muitas mudanças podem ocorrer na sociedade, mas, sem mexer radicalmente nos mandamentos, esta permanecerá capitalismo. E permanecer capitalismo significa que paz e prosperidade serão algo passageiro, localizado e restrito a alguns setores sociais. Uma paz doentia, porque se ergue da guerra contra a maioria. Uma prosperidade de privilégio e espiritualmente supérflua, visto que se faz à custa da mais ampla miséria já produzida. Apenas ¼ da população do planeta consegue acessar a felicidade disseminada pela propaganda comercial, e só com altas doses de anestésico. O capitalismo empurra a humanidade para o abismo. Na frente vão os pobres, negros, mulheres e homossexuais. Este sistema não está em crise. Ele é a própria crise. 

“Mas, Senhor, e a terra que jorra leite e mel?”
“Está aí a sua frente. Salomão nunca esbanjou tanta fartura e Lázaro jamais experimentou tamanha miséria”, respondeu Deus.
“E agora, o que faço para ser-Lhe fiel?”, investiu novamente o homem.
“Desobedeça, Moisés. Desobedeça.”



Por Thales Emmanuel, militante do Movimento dos/as Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e da Organização Popular (OPA).

quinta-feira, 25 de maio de 2017

Construir Poder Popular ou ser derrotado pela barbárie do capital

Por Odahi Magalhães*

Vivemos um momento histórico da luta de classes. As condições materiais estão dadas e nenhuma negociação política por cima conterá por muito tempo o levante vindo das classes populares.
A crise do capital, cuja existência é a essência da própria crise, é estrutural e mundial. As lutas e revoluções que levaram a conquistas de direitos e de liberdades, como o sufrágio universal, são marcos importantes de nossa história, mas se mostraram insuficientes no que diz respeito a superação dos problemas sociais ainda e mais gravemente existentes.
Só o voto não resolve. Precisamos nos organizar de forma coesa enquanto classe trabalhadora e executarmos a luta contra a retirada de direitos, contra todos os tipos de golpismos contra a classe e construir o Poder Popular revolucionário.
No atual estágio do capitalismo não há espaço para reformas progressistas, só a barbárie tem vez.
Ou edificamos esse novo poder, radicalmente oposto ao ora vigente, ou estaremos fadadamente derrotados.


*Odahi Magalhães é dirigente do Movimento dos/as Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e da Organização Popular (OPA).

terça-feira, 23 de maio de 2017

Nota da União dos Redentoristas do Brasil - URB



“Solidários para a missão em um mundo ferido"

Perplexos diante do momento crítico por que passa o Brasil, em sintonia  com a nota da CNBB e com os ensinamentos sociais do Papa Francisco, com muito cuidado e respeito, gostariamos de partilhar algumas inquietações:

Gostaríamos de deixar claro que nosso compromisso fundamental, a partir do Evangelho, é com os mais excluídos e marginalizados da sociedade, os sem terra, sem teto, sem trabalho digno;
                                                                                                                 
Tendo isso em mente, afirmamos que não se pode aceitar que as forças do mercado se sobreponham à dignidade das pessoas, como nos alerta o Papa Francisco;

Não podemos concordar que direitos fundamentais e necessidades básicas como saúde, educacão, segurança, situação de trabalho digno, previdência social e outros estejam subordinados ao lucro e as exigências do capital financiero internacional, que nao leva em consideração a ética e a justiça social;

Preocupa-nos a falta de meios de comunicação que sejam espaço de discussão plural e democrática e que não se coloquem como protagonistas das decisões para toda a nação. Julgamos que o papel da mídia é estabelecer o debate nacional e não colocar-se como um poder que julga e decide autoritariamente sobre os fatos;

Somamo-nos a todas as forças vivas e vozes que continuam se articulando nas ruas, gritando e lutando para garantir direitos conquistados ao longo dos últimos anos;

Continuemos sonhando e construindo o Brasil que queremos e não o Brasil que querem nos impor.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

PRODUZIR ALIMENTOS SEM AGROTÓXICO NÃO É CRIME! A resistência de um povo contra o projeto de morte do agronegócio

A indústria do câncer começou a se instalar na Chapada do Apodi (CE) na década de 1980, com a expulsão de milhares de famílias que lá moravam e produziam em relação íntima com a natureza.O agronegócio queria financiamento, terras férteis, infraestrutura e mão-de-obra que pudesse explorar. Como um obediente gênio da lâmpada, o Estado atendeu a todos os seus pedidos, reprimindo qualquer opinião contrária, sendo inclusive conivente com assassinatos, como é o caso de Zé Maria do Tomé, morto com 25 tiros, por protestar contra a pulverização aérea de agrotóxicos. O agronegócio adoeceu a Chapada e seu entorno, deixando a região com um dos maiores índices de câncer do país.

Muitas lutas ocorreram desde então, até que, em 2014, com apoio de várias organizações, aproximadamente 1200 famílias sem-terra moradoras da Chapada ocuparam uma área do perímetro irrigado. Contrariando os interesses das grandes empresas, iniciaram um processo de transição para produção de alimentos saudáveis, sem veneno.

Ciente do inevitável apoio social que a produção sustentável representaria, o agronegócio, em cumplicidade com adeptos políticos e da mídia comercial, passou a perseguir permanentemente o acampamento, batizado de Zé Maria do Tomé. Em resposta, o povo seguiu divulgando, com o fazer cotidiano, a concreta esperança de produzir alimentos saudáveis para toda população.

A pressão popular fez com que, em 2015, o governo federal assinasse decreto para o assentamento das famílias na área ocupada. Medida desfeita recentemente pelo golpista Michel Temer, para quem o destino do Brasil é inseparável da escravização da classe trabalhadora, da privatização dos bens públicos e da destruição da natureza.

A qualquer momento a comunidade poderá sofrer uma ação de despejo. As famílias, movimentos populares e a Igreja Católica local disseram que resistirão até as últimas consequências. “Conosco pulsa a memória dos que tombaram e a união dos que comungam com um projeto de libertação para o campo e cidade brasileiros.”

Da parte dos que resistem, muitas tentativas foram tomadas para evitar o pior. No entanto, os representantes do Estado, entre eles o senador Eunício de Oliveira, mostraram-se insensíveis aos pedidos da comunidade. Que o Estado, assumindo explicitamente o lado do agronegócio, arque então com as consequências de uma tragédia anunciada.

PRODUZIR ALIMENTOS SEM AGROTÓXICO NÃO É CRIME!

PARTICIPE! ESSA LUTA É NOSSA!!!