terça-feira, 13 de março de 2018

Um Galileu Suspeito nos Morros do Rio*


Por Thales Emmanuel**

- Mãe, por que há sempre muitos soldados em todo lugar que andamos? 
Jesus nasceu e cresceu numa sociedade militarizada, dominada por um império estrangeiro que impunha ao povo, além de altos tributos e total obediência, uma estrutura social baseada na concentração da propriedade privada da terra e de outros meios de produção. Os ricos da Palestina eram protegidos e, ao mesmo tempo, servidores dos interesses de Roma. Em nome de César, autodeterminavam-se o direito de barrar qualquer investimento social para, com o uso da espada, empobrecer, segregar e escravizar a maioria da população.
- Mãos na cabeça, galileu vagabundo! 
A Galileia, região onde Jesus nasceu e viveu boa parte de sua vida, era tão marginalizada pela classe dominante como os morros do Rio de Janeiro. Ainda jovem, Jesus teve que conviver com frequentes baculejos. Tinha os atributos que os soldados denominavam “perfil suspeito”. Era preto, pobre, vestia-se com simplicidade e falava em aramaico, língua do meio popular. Sua casa e as da vizinhança eram invadidas na madruga sem mandados judiciais. Pessoas arrancadas para interrogatório sumiam misteriosamente. Quando levaram Amarildo, habilidoso pedreiro da vila de Nazaré e seu colega de infância, Jesus chorou lágrimas de sangue no colo de uma mãe preocupada com o futuro. A chamada Pax Romana, a “paz sem voz”, período de relativa estabilidade do domínio imperial, se impunha pela violência contra a classe que produzia a riqueza que os grandes proprietários usurpavam, acumulavam e usavam para financiar as ações da repressão. “Aê, Pilatos, para assegurar o sucesso de nossa política de segurança pública, quero garantias para agir sem que surja uma nova Comissão da Verdade”, exigiu o interventor Herodes Villas Bôas. 
- Mãe, preciso partir! 
Quando as Unidades de Polícia Pacificadora de César se instalaram na Galileia e uma delas decapitou seu primo, João Batista, só por ele ter falado publicamente umas verdades, Jesus se indignou tanto, que decidiu sair de casa para se tornar militante na construção de uma nova sociedade. Uma em que não houvesse imperadores nem senhores, sem opressão, em que poder fosse sinônimo de serviço; uma sociedade que batizou com o nome de Reino de Deus. Enquanto a resistência e luta do povo lhe alimentavam com imprescindíveis exemplos, os soldados de Roma condenavam como bandidos e crucificavam todas as pessoas que de alguma forma se contrapunham às ordens de cima. A Mídia dos Altos Sacerdotes do Templo de Jerusalém fazia sua parte manipulando as mentes pela disseminação de ódio contra os que se colocavam a serviço da causa dos oprimidos. Quarenta dias antes da Páscoa do ano 32, todos os integrantes de um grupo cultural da Galileia, chamado Paraíso do Tuiuti, foram crucificados por criticarem, em suas alegorias e canções, a exploração que pesava sobre o povo. “No dia em que a Galileia descer e não for carnaval, ‘ordem e progresso’ terá outro sentido afinal/ Não tem órgão oficial nem governo nem liga, nem autoridade que compre essa briga, ninguém sabe a força desse pessoal/ É só a Galileia descer sem ser carnaval’”, expressava corajosamente a letra de uma das canções. 
O final dessa história todos nós conhecemos. Com a ressurreição, Jesus veta aos donos do poder a última palavra e o projeto do Reino se reinventa à cada época. Sinal de que essa história é uma história gestando um final. 
- Filho, eis-me aqui! 

*Publicado originalmente em Informativo Redentorista.
**Thales Emmanuel é militante da Organização Popular (OPA) e do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

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