Por padre Júlio Ferreira**
Certa vez, Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito da prelazia de
São Felix do Araguaia, indagado sobre o fim da Teologia da Libertação,
respondeu: "Deus e os pobres continuam." Aqui está, nas palavras de
Dom Pedro, a raiz dessa teologia latino-americana, que tem a capacidade e a
ousadia de refletir Deus a partir do processo histórico. Uma Teologia que está
estritamente ligada à irrupção dos pobres na Igreja e na sociedade.
A Teologia da Libertação tem suas
origens no Concílio Vaticano II (1962 à 65). Foi esse concílio que deu o ponta pé
inicial para que a Igreja se revisitasse e analisasse sua relação com o mundo.
Essa era a intenção do papa João XXIII, quando convocou o concílio. É a Igreja
se abrindo e se reconhecendo como povo de Deus, servidora e solidária, capaz de
escutar os clamores, as angústias, as tristezas, as alegrias e as esperanças da
humanidade de hoje.
Na América Latina, a recepção do
Concílio Vaticano II se deu de forma criativa. Em Medellin, na Colômbia (1968), o
episcopado latino-americano teve a preocupação de adaptar as intuições do concílio
à realidade, marcada pelos clamores e exclusão dos pobres e
marginalizados. A conferência refletiu a urgência de uma nova consciência de
Igreja e novos modos de viver a fé. Além das provocações do concílio, tão bem
aceitas pela Igreja da América Latina, também contribuíram para as decisões: o
binômio opressão - libertação; a presença dos cristãos nas revoluções,
particularmente com o advento da revolução cubana; as resistências nos
movimentos sociais libertadores e a emergência de uma nova concepção teológica.
A grande pergunta da Teologia da
Libertação é: como encontrar Deus em meio à dor e a opressão em que vivem os
pobres da América Latina? Essa teologia nasce justamente do confronto entre a
urgência de anunciar a Vida do Ressuscitado e a situação de morte em que se
encontram os pobres latino-americanos. O que ela busca é que se compreenda que,
sem compromisso permanente com os pobres e sua libertação, estamos longe da
mensagem cristã.
A Teologia da Libertação coloca o
problema da missão da Igreja e das suas opções dentro de uma realidade
conflitante, marcada por grandes desigualdades sociais, onde alguns poucos
enriquecem às custas das misérias de muitos.
É o teólogo peruano, Gustavo
Gutierrez, um dos pioneiros em articular a salvação com o processo histórico de
libertação integral do ser humano. Gutierrez é reconhecido como o primeiro a
sistematizar a Teologia da Libertação. Ele consegue articular Deus, o contexto
histórico, o mundo dos pobres e seus problemas centrais, as ciências sociais, a
profecia e a mística. Para Gutierrez, os pobres têm uma força histórica
libertadora.
A Igreja da América Latina
conseguiu enxergar as mazelas produzidas por uma sociedade que divide as
pessoas em classes, por causa de uma estrutura que pretende sempre mais manter
privilégios para uma minoria. Começou a entender que era preciso identificar e
analisar as causas estruturais que provocam as injustiças e opressões em que
vivem os pobres da América Latina. E que, à luz do Evangelho, teriam que ser
denunciadas.
Nessa nova ótica, passou-se a
olhar o pobre não apenas no aspecto daquele que precisa de um prato de comida
ou de uma esmola, mas como sujeito de transformação de estruturas injustas e
pecaminosas. A pobreza não é mais concebida como vontade de Deus, mas como
consequência da concentração de riquezas e, antes, de suas causas estruturais.
E por causa dessa nova concepção, começaram as perseguições aqueles e àquelas
que se colocam contra o sistema opressor.
“Quando dava comida aos pobres,
me chamavam de santo; mas quando comecei a questionar as causas da pobreza,
começaram a chamar-me de comunista”, disse Dom Helder Câmara. Dom Oscar Romero,
assassinado por um soldado a mando do governo militar de El Salvador, por
enfrentar as atrocidades do governo norte americano naquele país. Margarida
Alves, lavradora da Paraíba, entendeu que era “melhor morrer na luta do que
morrer de fome”. Homens e mulheres capazes de dar a vida por causa do Reino.
A espiritualidade do martírio faz
parte da caminhada dos que passam a acreditar que não dá para ficar olhando
para o céu enquanto Jesus continua sendo crucificado nos pobres desse mundo,
nos operários, nos indígenas, nos quilombolas, nos sem teto, nos sem terra, nos LGBTs, nas mulheres, no extermínio da
juventude. O mártir é alguém capaz de identificar-se com Jesus
crucificado e de sentir profunda compaixão.
Beber dessa espiritualidade
libertadora é o grande desafio para os cristãos e cristãs de todos os tempos.
Pena que alguns ainda preferem se contentar com uma fé ingênua e acabam
compactuando com um sistema de morte, que, segundo o papa Francisco, não se sustenta mais.
Os que abraçam o seguimento radical à pessoa de Jesus de Nazaré são militantes
nos partidos políticos que não se rendem à fúria do capital; nos sindicatos,
nos movimentos sociais; nas organizações populares e nas pastorais sociais.
As Comunidades Eclesiais de Base
são o modelo de Igreja que dá suporte à Teologia da Libertação e ao mesmo tempo
é essa Teologia que fortalece esse modelo de Igreja. As CEBs são consideradas
como
"um verdadeiro tecido social da Igreja dos pobres". A Igreja
que faz uma opção preferencial pelos pobres é uma Igreja que aprendeu a olhar
com "um olho na Bíblia e outro olho na realidade." É uma Igreja que
celebra a fé e a vida, consciente de que o Reino de Deus se dá na concretude da
História.
*Publicado originalmente em Informativo Redentorista.
**Padre Júlio Ferreira é missionário redentorista.
*Publicado originalmente em Informativo Redentorista.
**Padre Júlio Ferreira é missionário redentorista.
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