quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Dos dentes à cabeça



Fortaleza, 05 de agosto de 2015.
Por Thales Emmanuel*
Na savana africana, um grupo de zebras, inconformadas com a rotineira vida de obediência às leis naturais, decide se rebelar. Sua ideia pioneira: não servir mais de alimento ao leão.
A proposta, aprovada em assembleia, foi de lhe endereçar um abaixo-assinado. O cabeçalho curto buscava eliminar os sinais de titubeação surgidos quando se discutia o que escrever na mensagem. “Vossa Majestade Rei Leão, nós abaixo-assinadas... nossa carne é dura e por isso rogamos por vossa clemência e compreensão para não nos ter mais em vossa dieta.” Resultado: a zebra portadora do bilhete foi jantada.
Na segunda tentativa, o texto continuava curto, mas alguns tufos de pastos vistosos acompanhavam um convite ao vegetarianismo. “O leão é carnívoro. Não adianta tentar convencê-lo que comer carne é algo ruim, tá na sua essência.” Mesmo com o alerta da zebra mais velha, uma equipe de três foi formada para entregar o documento. Por sorte e saciamento estomacal, uma escapou viva.
Os fracassos consecutivos levaram as zebras a um projeto diferente. “Nos distanciaremos. Longe de seu reinado, não mais poderá nos atacar.” E assim o fizeram. Num lugar esquecido, às margens do nada, começaram a reorganizar suas vidas. No entanto, quando tudo parecia beirar a perfeição, eis que se sucede um novo banquete, desta vez promovido por um leão desconhecido. As que conseguem escapar, decidem retornar à antiga morada. No caminho, um novo plano é elaborado.
A definição é que todas, ao mesmo tempo, fossem falar diretamente com o Rei, exigindo-lhe o fim das matanças. Com os cascos apontados em sua direção, o leão se assustou com o que viu. A pressão foi tanta, que o fez mudar de cor. Selada a paz, passou a trafegar livremente entre as zebras. Pareciam amigos e muitos na savana se admiravam com aquele impensável comportamento; outros desconfiavam. As zebras baixaram a guarda de uma vez. Às noites, já dormiam encostadas à juba do bicho. E foi justamente numa dessas madrugadas que a fome apertou e não teve jeito. O leão havia mudado de cor, não de cardápio.
As sobreviventes, que, com o período de paz, esqueceram quão afiados eram aqueles caninos, estavam desorientadas com o baque repentino. Mesmo assim, decidiram pela mais ousada de todas as ações até então pensadas: arrancar-lhe os dentes. O grupo estava reduzido. Era um tudo ou nada.
A estratégia foi bem executada e, no dia seguinte, o Rei amanhecera “nu”. Envergonhado e furioso, correu para cima das zebras, que fugiam na velocidade que dava. Com tapas nos membros traseiros, o felino as derrubava, e, com as garras, sangrava-as. Uma a uma, todas se foram. E o leão, com o sentimento de vingança satisfeito, sumiu imponente no horizonte, sem que nenhuma mordida fosse dada.
Se um conhecido escritor, que nunca foi zebra nem leão, mas entendia de luta, ainda fosse vivo, certamente diria: “A única maneira de liquidar o dragão é cortar-lhe a cabeça, arrancar-lhe os dentes não serve de nada”.

*Thales Emmanuel é militante do Movimento dos/as Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e da Organização Popular (OPA).

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