quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Mediterrâneo


Fortaleza, 10 de setembro de 2015.

Por Thales Emmanuel*

A divulgação de imagens mostrando a corrida migratória de milhares de pessoas da África e Oriente Médio para Europa tem chocado muita gente. O ponto culminante para quem acompanha o drama pela TV foi a fotografia do corpo de Aylan Kurdi, menino de 3 anos de idade que morreu fugindo da guerra na Síria ao tentar atravessar, com a família, o Mediterrâneo, na região entre a Turquia e a Grécia.

O mar Mediterrâneo é de longa data importante rota comercial e está, inclusive, diretamente ligado à história de nascimento da sociedade burguesa: o capitalismo, cuja característica principal – e que sem ela não seria capitalismo –, é atrair tudo à sua volta para a engrenagem da mercantilização.

Tudo se torna mercadoria. Fazem-se guerras para conquistar mercados ou para gerá-los. Divulgam-se notícias inventadas com o intuito de invadir países para lhes roubar o petróleo. Forjam-se grupos terroristas para desestabilizar e derrubar governos não alinhados. Segundo a ONU, 85% das notícias que circulam no mundo são geradas nos EUA. Isso acontece para que a realidade seja enxergada através da pupila dos opressores.

E onde se pretende chegar com toda essa arrumação? “O objetivo é colocar um chip em todo mundo. E ter tudo nesses chips. E se alguém quiser protestar sobre o que fazemos e quiser violar o que queremos, então só apagamos seu chip.” (Declaração atribuída a Nicholas Rockefeller, um dos homens mais ricos do mundo, por, à época seu amigo, Aaron Russo, cineasta e político.)[1]

Enquanto isso, no Mediterrâneo, dolosamente, corpos bóiam a deriva, ou seria a espera... de um destino sem códigos de barras que possa  ser traçado por quem segue com vida?

Mas onde fica mesmo o Mediterrâneo?

Aqui, quando mães são forçadas a amamentar seus filhos com leite envenenado pelo agrotóxico utilizado nas grandes fazendas do agronegócio.

Aqui, quando pais sem teto são despejados de suas áreas, migrando de um lado a outro com suas crianças lacrimogeneadas pela repressão do Estado, o mesmo que, por lei, teria o papel de fazer cumprir o direito fundamental à moradia.
Aqui, quando ser jovem preto e pobre vale a pena de morte.

Aqui, quando nos corredores dos hospitais lotados crianças morrem antes de chegar à sala de tratamento. Desinvestimento público para fazer migrar para os cofres dos planos de saúde privados o retorno com juros do dinheiro investido em época de campanha.

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Por que é tão difícil enxergar Aylan Kurdi nos meninos asfixiados pela pólvora das balas do latifúndio atiradas contra o povo Guarani-Kaiowá, em Mato Grosso do Sul?


Afinal de contas, quantos mares nos separam do Mediterrâneo?


*Thales Emmanuel é militante do Movimento dos/as Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e da Organização Popular (OPA).




[1] Ver documentário “Zeitgeist, The Movie”, no youtube.

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