quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Presente de Dia dos Pais


Por Thales Emmanuel*

No dia 07 de maio deste ano, em Fortaleza-CE, um acidente no Km 06 da BR 116 gerou grande comoção social.
Era sábado, véspera de Dia das Mães. Laís e Raphaella – mãe e filha –, mais Fátima – amiga e vizinha –, voltavam para casa depois de participarem de uma celebração religiosa.
Segundo relatos, mais ou menos no mesmo horário, Abelardo, um jovem de 24 anos, tomava de assalto uma caminhonete e, na tentativa de fuga, sendo perseguido pela Polícia Militar, colide violentamente com o veículo que conduzia as três mulheres, que morrem na hora. Abelardo sobrevive com escoriações no corpo.
Em 2015, Márcia, designer de interiores, não só frustrou a mídia sensacionalista, que já encampava a carnificina propagandística pela redução da maioridade penal, como surpreendeu muita gente ao provocar reflexões na contramão do que somos induzidos e coagidos a sentir diante de situações como a que precisou enfrentar. Seu ex-marido, médico, foi morto a facadas quando pedalava na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro-RJ. Em meio à tragédia, declarou a mulher: “Ele foi uma vítima de vítimas”.
A ideologia dominante não significa somente a reprodução de ideias convenientes a uma determinada lógica de dominação. Nossos sentimentos, a maneira como afloram nas mais variadas circunstâncias, são igualmente produtos e, em regra, sustentáculos de uma mesma normatividade social.
Assim, diante da dor da perda abrupta, não é difícil entender porque somos levados a confundir justiça com vingança pessoal, castigo e repressão policial com segurança.
A ocultação proposital da raiz do problema não desponta sem o arrebatador entorpecimento das estratégias propagandísticas, que nos fazem vagar delirantes, na superficialidade das abordagens.
Para bem, a história, mesmo a história de uma tragédia, não morre com a morte nem é encarcerada com a prisão.
Abelardo e sua família são do interior. Durante algum tempo, foram acampados da Reforma Agrária. Estiveram em baixo de lona preta, junto com outras famílias, às margens de uma grande propriedade vazia de produção e de sentido social.
Muito jovem e praticante de artes marciais, pretendia organizar um espaço e dar aula a quem quisesse da comunidade, logo que a terra fosse conquistada. Mas o latifúndio se manteve intacto ante qualquer bom senso em relação à vida daquelas famílias e a terra seguiu cercada e abandonada, sem ser entregue aos trabalhadores e trabalhadoras.
Abelardo, então, foi embora com seus pais, saiu do acampamento. Anos depois reapareceu nas páginas policiais de jornais de todo país.
Algumas perguntas são inevitáveis: Qual a responsabilidade do latifúndio e de seus governos na morte das três mulheres? Onde estariam os Abelardos da vida, fazendo o que, caso a Reforma Agrária fosse já uma realização e não uma antiga reivindicação popular?
Em Goiás, dois militantes do Movimento Sem Terra estão presos, enquadrados na Lei Antiterrorista, por lutarem pelo direito à terra. A Justiça... quanto sangue inocente há em suas mãos? Quantas mães morrerão ainda, até que se entenda que a propriedade não pode estar acima da vida? Até que o Estado, que tem isso como cláusula pétrea, seja abolido?
Não se trata aqui de isentar o indivíduo de suas responsabilidades. Antes, porém, de relembrar que todo problema pessoal é um problema social e todo problema social é um problema familiar, pessoal. Queiramos ou não.


Dia dos Pais está chegando. Que sociedade gostaria de receber de presente? Que mundo pretende deixar para a geração de futuros pais? O que estamos dispostos a construir? O que fazemos para destruir o que nos destrói?

*Thales Emmanuel é militante do Movimento dos/as Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e da Organização Popular (OPA).   

2 comentários:

  1. É disso que precisamos. De verdadeiras análises, não de superficialidades que a mídia dominante e a elite econômica e política querem nos passar.

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  2. Encontrar a raiz dos problemas que afligem nossa sociedade é desafio possível, no entanto resolver situações que ajudam a sanar os problemas que esta mesma 'raiz' impõe(Reforma Agrária) nos remete ao trabalho árduo de formiguinhas para de uma vez garantir vida digna.

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