terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Que o verbo se faça carne!


Por Thales Emmanuel*


Somos mais de 7 bilhões de pessoas habitando o planeta, nossa casa comum. Comum?!! Talvez esta não seja ainda a palavra mais apropriada.

Em janeiro passado, a ong Oxfam divulgou que oito homens detém riqueza equivalente ao "possuído" por metade da população, ou seja, 8 = 3,6 bilhões de pessoas.

Quanta miséria, quantas famílias sem-terra, sem-teto, quantas mortes por doenças curáveis, quantos corpos e almas para sempre sequelados, quantas infâncias violadas, enterradas em caixotes, quantos jovens encarcerados e quantas rebeliões de internos, quantos Carandirus, quanto racismo, quantas guerras, quanto sangue e quanta dor são necessários para que se produza uma única grande fortuna?

E como isso é possível? Como essa estrutura se mantém, quando o peso de uma pena parece mais que suficiente para lhe fazer desmoronar?

Combinando violência e controle ideológico.

Os donos da casa comum se fazem proprietários exclusivos do planeta gastando por ano mais de trilhão de dólares com guerras. "Gastando" é modo de dizer, já que a fonte patrocinadora é pública. São os Estados seus principais fiadores. Estima-se que só o governo estadunidense, comando central do Império, possui quase mil suportes militares espalhados mundo afora.

A propaganda e a força bélica são inseparáveis. Mas cabe à propaganda domesticar, internalizar no oprimido os padrões do opressor. Em seu estágio mais avançado, o oprimido passa a defender as regras e valores do opressor como sendo seus. A servidão é tão mais "voluntária" quanto mais introjetada é a violência. Papa Francisco chama essa dominação de "colonialismo ideológico".

Nos querem indiferentes. Através das telas de TV, naturalizam o absurdo. Na novela, que importa se famílias moram num lixão?! Mais vale desvelar a identidade do assassino misterioso. Criam um inimigo de todos, que está sempre a espreita. O pobre, o preto, o favelado. Diante do sofrimento do próximo, o medo nos torna cruéis, nos anestesia, como alerta Francisco. O colonialismo ideológico recorre ao medo sempre que é preciso justificar o injustificável.

A célula de plástico genitora da sociedade capitalista reproduz organismos doentios. O plano de saúde lucra com a falta de hospitais; a indústria farmacêutica ganha com o anúncio de uma nova epidemia; a seca inunda de acionistas o mercado da água; a política despolitiza e a democracia se privatiza endossada pelo voto de uma maioria; o trabalho empobrece quem trabalha; e não há nada mais injusto que o sistema judiciário.

Os bens da natureza, dádiva gratuita para uso comum, e os meios de produção construídos com o suor e o apertar de tantas mãos, estão privatizados, constituindo assim o primeiro grande ato de corrupção. O segundo é a legalização e naturalização de tudo isso.

Para concluir, retorno a Francisco, para quem a "desigualdade é a raiz dos males sociais": "Todos os muros ruem. Todos! Não nos deixemos enganar. Continuemos a trabalhar para construir pontes entre os povos, pontes que nos permitam derrubar os muros da exclusão e da exploração."

Que o verbo se faça carne!
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Fontes para aprofundamento:
- Tempos Modernos - filme de Charlie Chaplin.
- Os Edukadores - filme de Hans Weingartner.
- A História das Coisas - filme da Tides Foundation.
- Manifesto do Partido Comunista - livro de Karl Marx e Friedrich Engels.

*Thales Emmanuel é militante do Movimento dos/as Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e da Organização Popular (OPA).

OCUPAÇÃO

A força dum lado
A força do outro
Maria no meio
A lágrima corre
A tábua no chão
Adeus sua casa
Adeus sua cama
Adeus sua mesa
Na rua a cadeira
Na rua o fogão
Pra rua foi tudo
A máquina velha
O velho e o novo
A preta e a loira
O pobre do cão
- Agora o que faço?
Fizeram o despejo
Chegaram bem cedo
Sem nenhum mandado
Nem intimação
A noite vem vindo
A força foi indo
A gente pernoita
De volta de novo
Na ocupação.

Por Eliton Meneses, poeta e Defensor Público no estado de Ceará.

PS.: Baseado em fatos reais! Despejo da Comunidade Mirassol, no Parque Dois Irmãos, Fortaleza-CE, 2017.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

A lógica do amor

Por Thales Emmanuel*

Ingenuidade é atribuir ao “amor ao próximo” uma conceituação exclusivamente ética, moral. A prioridade dada à pessoa humana versa mesmo é de pressuposto lógico-existencial.
A igualdade social não é só um clamor, um grito ou uma utopia. A igualdade social é nosso passaporte para o futuro. A tecnologia mais avançada, sequer imaginada nos filmes de ficção, aquela que nos conduz ao amanhã, pode ser experimentada com um simples “sair de si”, e só dessa forma.
Sem esse reencontro com nosso princípio existencial fundador – o outro –, a bomba atômica prevalecerá. A mais-valia esgotará de tal maneira a natureza, que uma reação liquidante para a humanidade será inevitável. A vida exigirá passagem. A prevalência da bomba é nossa morte. E a supremacia da propriedade privada se constitui na mais vergonhosa sujeição da humanidade ao Império da Pólvora.
Engana-se quem acredita que com gás lacrimogêneo ou chumbo, pau-de-arara ou difamação jornalística, encardirá na maioria o estigma da eterna humilhação. A memória transpira, exala-se em sangue, sangue que banha a pele e a favela inteira. Tá na carne, não no cérebro. Quantas Bastilhas arrasadas a mãos nuas serão ainda necessárias até que compreendamos que a mentira e a opressão são cumulativas? O “estrondo do trovão” ressurgirá invariavelmente, em feição de revolta ou de Revolução.
Assim, nunca será redundância dizer que o ser humano nasceu para ser gente, não numa sociedade alicerçada em antagonismo de classes, como a capitalista. Antes, trata-se de denúncia, alimento revolucionário.
Que a lógica do amor não deixe se “apagar o arco-íris”!  
   

*Thales Emmanuel é militante do Movimento dos/as Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e da Organização Popular (OPA).

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Juventude cristã na política

Por Josenilson Doddy*



“Envolver-se na política é uma obrigação para um cristão”, falou papa Francisco em um encontro no Vaticano com crianças e jovens de escolas e movimentos jesuítas.

Há muito se fala que a juventude é o futuro, o amanhã, imprimindo-lhe um papel meramente expectador, inerte, diante de um quadro político e social que depende de sua intervenção cotidiana, presente, para que lá na frente o referido "amanhã" ganhe significado pleno de sentido.

É comum se ouvir comparações da atual geração de jovens com aquela que resistiu bravamente aos anos de chumbo iniciados com o golpe militar-empresarial de 1964. Geralmente em tom saudosista, se diz que a juventude não é como antes.

Parte considerável da descrença para com nossos jovens vem das distorções fomentadas pela mídia comercial, que padroniza o "bom sujeito" na quadratura do comportamento moralmente aceitável, enquanto invisibiliza ou demoniza aqueles e aquelas que escapam ao seu canto de sereia. Parafraseando dom Hélder Câmara, se der comida aos pobres, será condecorado como herói; mas, se perguntar aos pobres sobre a causa da pobreza e, "pior", se engajar-se em sua luta para superar a miséria pela raiz, será crucificado como vândalo, baderneiro ou coisas do tipo, e quem sabe até merecer matéria no Jornal Nacional.

A juventude cristã precisa ocupar a política, mas de um jeito que se enfrente os desafios da construção da justiça social, da igualdade, combatendo as artimanhas e a violência das forças do capital com criatividade, coração e mente. Como ficou demonstrado nas milhares de escolas ocupadas em 2016, contra a PEC 55, batizada de "PEC da morte"; contra o amordaçamento do pensamento crítico, sintetizado no projeto "Escola sem partido"; e por muito mais.

Saibamos também que falsa profecia não tem idade. Alguns jovens são bancados por grandes empresas para que manipulem outros jovens e a consciência do povo em geral. Defendem os interesses dos exploradores, dos Césares, contra a classe explorada.

Ainda que arroguem a Cristo em seus discursos, ainda que frequentem a missa ou o culto semanalmente, negam frontalmente a mensagem libertadora do Reino. São profissionais da mentira! Seu fermento, como o dos fariseus e saduceus de outrora, é pura hipocrisia.

A juventude cristã sonha coletivamente sonhos de libertação e vai à luta para realizá-los, organiza-se, questiona a origem das injustiças. No convívio com o povo oprimido - na favela, na fábrica, nas escolas, no campo - aprende a reconhecer que o essencial e a simplicidade não se separam. Também ensina o que aprendeu, gratuitamente. Assim como Jesus, toma partido, tem um lado e, com seu testemunho, convida, convoca a todos e todas, independente da idade, a assumir a construção de uma nova sociedade, plena de comunhão.

Josenilson Doddy é militante da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e da Organização Popular (OPA).