Fortaleza, 15
de julho de 2015.
Por Thales
Emmanuel*
A passagem recente do Papa Francisco
por Equador, Bolívia e Paraguai ainda repercute mundo afora, seja pelas versões
de sua reação ao ser presenteado com uma cruz comunista pelo presidente Evo
Morales, seja pela invisibilização promovida por setores conservadores que
divulgam, amputada e distorcidamente, o conteúdo de seus discursos.
Foi no II Encontro com Movimentos
Populares de todo o mundo, em Santa Cruz de La Sierra - Bolívia, a 9 de julho,
que a fala do Bispo de Roma ressoou mais estridentemente. Francisco condena o
sistema capitalista: “Reconhecemos, nós, que este sistema impôs a lógica do
lucro a todo custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da
natureza? (...) Digamo-lo sem medo: Queremos uma mudança, uma mudança real, uma
mudança de estruturas. Este sistema é insuportável (...) Este sistema atenta
contra o projeto de Jesus.”
Aposta nos movimentos populares as
fichas para construção de uma alternativa radical: “(...) Procurais também
resolver, na sua raiz, os problemas gerais de pobreza, desigualdade e exclusão.
(...) É imprescindível que, a par da reivindicação dos seus legítimos direitos,
os povos e as suas organizações sociais construam uma alternativa humana à
globalização exclusiva.”
Sobre economia, declara: “A economia
não deveria ser um mecanismo de acumulação, mas a condigna administração da
casa comum (...), onde o ser humano, em harmonia com a natureza, estrutura todo
o sistema de produção e distribuição. (...) A justa distribuição dos frutos da
terra e do trabalho humano não é mera filantropia. (...) Trata-se de devolver
aos pobres e às pessoas o que lhes pertence.”
Defende a unidade entre os governos
progressistas da região, ao mesmo tempo em que critica a supressão de direitos
dos trabalhadores e dos mais pobres: “Os governos da região juntaram seus
esforços para fazer respeitar a sua soberania, a de cada país e a da região
como um todo. (...) O novo colonialismo assume variadas fisionomias. Às vezes,
é o poder anônimo do ídolo dinheiro: corporações, credores, alguns tratados denominados
de ‘livre comércio’ e a imposição de medidas de ‘austeridade’ que sempre
apertam o cinto dos trabalhadores e dos pobres.”
Condena “a concentração do monopólio
dos meios de comunicação social, que pretende impor padrões alienantes de
consumo e certa uniformidade cultural”, classificando-a de “colonialismo
ideológico”.
Sobre a questão ambiental, é
enfático: “A casa comum de todos nós está a ser saqueada, devastada, vexada
impunemente. A covardia em defendê-la é um pecado grave. (...) Não se pode permitir
que certos interesses – que são globais, mas não universais – se imponham,
submetendo Estado e organismos internacionais, e continuem a destruir a
criação.”
O impacto causado por tais
declarações, evidentemente, se liga diretamente a posição ocupada por seu
autor. Raríssimas vezes se viram papas
defendendo interesses populares e reprovando o sistema capitalista, e agora tão
sem as costumeiras abstrações verbais. O ineditismo e o caráter dos encontros
com os movimentos falam por si só do grau de objetividade alcançado.
Ainda assim, alguns gostariam que
Francisco tivesse atacado mais diretamente a apropriação privada dos meios de
produção e dos bens da natureza, a exploração da classe trabalhadora pelo valor
do tempo de trabalho não pago, que fica com os patrões. Matrizes da
desigualdade estrutural do sistema.
Há também quem o desafie: “Se vai
visitar os Estados Unidos em setembro próximo, por que não aproveita para
passar em Wall Street e promover um verdadeiro quebra-quebra naqueles bancos,
insultando seus proprietários de “hipócritas” e sanguessugas?
Acontece que, se o Papa procedesse
tal como solicitado nos dois parágrafos anteriores, não se chamaria Francisco
I, mas Karl Marx ou Jesus II.
*Thales Emmanuel é militante do
Movimento dos/as Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e da Organização
Popular (OPA).
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