Por: *Pe. Julio Ferreira, C.Ss.R.
Em Mc 4,35-41 Jesus desafia os seus discípulos a irem para a outra margem. Parece muito simples, se a gente encara apenas como uma travessia comum, mas essa travessia, que leva ao outro lado, está cheia de perigos, conflitos, de interesses contrários, forças hostis (aqui representados pelo mar, com suas ondas agitadas que põe medo e quer paralisar os discípulos), que querem continuar oprimindo e sufocar o projeto de vida.
Ficamos muitas vezes no fenômeno do mar agitado, do vento
impetuoso e de Jesus que acalma e silencia. Mas é importante traduzir o convite
e a presença de Jesus. Ele nos convida a sairmos dos nossos comodismos, do
nosso lugar comum, das mesmices que nos cegam e não nos deixam perceber as
realidades que precisam ser transfiguradas. "Mestre, é bom ficarmos aqui.
Vamos fazer três tendas... (Mc 9, 2-10)".
É bom ficarmos aqui! E por isso, na maioria das vezes, o que
ainda conseguimos fazer é uma leitura da realidade, alguns encontros com
debates, umas romarias, uns gritos de ordem e voltamos para casa satisfeitos,
como quem está com o dever cumprido. Nossa fé ainda não é suficiente para
reduzir ao nada e ao silêncio as estruturas e sistemas que teimam em atrapalhar
o projeto de vida proposto por Jesus.
O que está do outro lado? E lá em baixo da montanha? O que
está lá nos mete medo. Estão os crucificados dos nossos tempos: adolescentes e
jovens sendo exterminados; homoafetivos, sem teto, sem terra, indígenas,
quilombolas, o planeta ameaçado, as comunidades tradicionais expulsas dos seus
territórios, movimentos e organizações sendo criminalizados, a sociedade de
classes... Na verdade do outro lado e lá embaixo se encontram os desafios da
missão hoje.
E na travessia? A mídia com suas mentiras e falseamento da
realidade, a intolerância religiosa, o preconceito, os três poderes envoltos em
corrupção, os grandes projetos, a carcinicultura, eólicas, agrohidronegócio...
O Papa Francisco, na fidelidade ao seguimento de Jesus, nos
exorta a vencer a mesmice: “A pastoral em chave missionária exige o abandono deste
cômodo critério pastoral: ‘fez-se sempre assim’. Convido todos a serem ousados
e criativos nesta tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os
métodos evangelizadores das respectivas comunidades". E ainda: “Que nos mova o
medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas
normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos
sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus
repete-nos sem cessar: ‘Vós mesmos dai-lhes de comer’(Mc 6,37)”. E o alimento
aqui é formação, organização e luta.
* Missionário Redentorista, Jornalista, assessor das CEBs e membro da OPA.
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