quinta-feira, 2 de julho de 2015

O medo da travessia nos deixa na mesmice


Por: *Pe. Julio Ferreira, C.Ss.R.

Em Mc 4,35-41 Jesus desafia os seus discípulos a irem para a outra margem. Parece muito simples, se a gente encara apenas como uma travessia comum, mas essa travessia, que leva ao outro lado, está cheia de perigos, conflitos, de interesses contrários, forças hostis (aqui representados pelo mar, com suas ondas agitadas que põe medo e quer paralisar os discípulos), que querem continuar oprimindo e sufocar o projeto de vida. 

Ficamos muitas vezes no fenômeno do mar agitado, do vento impetuoso e de Jesus que acalma e silencia. Mas é importante traduzir o convite e a presença de Jesus. Ele nos convida a sairmos dos nossos comodismos, do nosso lugar comum, das mesmices que nos cegam e não nos deixam perceber as realidades que precisam ser transfiguradas. "Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas... (Mc 9, 2-10)".

É bom ficarmos aqui! E por isso, na maioria das vezes, o que ainda conseguimos fazer é uma leitura da realidade, alguns encontros com debates, umas romarias, uns gritos de ordem e voltamos para casa satisfeitos, como quem está com o dever cumprido. Nossa fé ainda não é suficiente para reduzir ao nada e ao silêncio as estruturas e sistemas que teimam em atrapalhar o projeto de vida proposto por Jesus.

O que está do outro lado? E lá em baixo da montanha? O que está lá nos mete medo. Estão os crucificados dos nossos tempos: adolescentes e jovens sendo exterminados; homoafetivos, sem teto, sem terra, indígenas, quilombolas, o planeta ameaçado, as comunidades tradicionais expulsas dos seus territórios, movimentos e organizações sendo criminalizados, a sociedade de classes... Na verdade do outro lado e lá embaixo se encontram os desafios da missão hoje.

E na travessia? A mídia com suas mentiras e falseamento da realidade, a intolerância religiosa, o preconceito, os três poderes envoltos em corrupção, os grandes projetos, a carcinicultura, eólicas, agrohidronegócio...

O Papa Francisco, na fidelidade ao seguimento de Jesus, nos exorta a vencer a mesmice: “A pastoral em chave missionária exige o abandono deste cômodo critério pastoral: ‘fez-se sempre assim’. Convido todos a serem ousados e criativos nesta tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respectivas comunidades". E ainda: “Que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: ‘Vós mesmos dai-lhes de comer’(Mc 6,37)”. E o alimento aqui é formação, organização e luta.

* Missionário Redentorista, Jornalista, assessor das CEBs e membro da OPA.


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