Fortaleza,
27 de julho de 2015.
Por Thales
Emmanuel*
Na década de 1990, com a consolidação
do projeto neoliberal e o intrínseco processo de sucateamento e privatização de
setores do Estado, junto ao alargamento do desemprego, ganha ênfase a
preocupação política com os excluídos. Desamparados
de direitos, esta crescente parcela da população precisava se virar do jeito
que desse para garantir o sustento de sua vida. Acompanhou esta nova
configuração da arte da sobrevivência a palavra, transformada em ideologia,
“empreendedorismo” – quem não consegue, não consegue por ausência de espírito
criativo –; e a dilatação do chamado Terceiro
Setor, das ONGs, e de projetos que, em regra, serviam à administração das
sobras da mais-valia social consentidas pelo capital.
Em Aracati-CE, no assentamento Zumbi
dos Palmares, há seis anos famílias tentam desenvolver a produção de alimentos
de forma agroecológica. Durante esse tempo, a lavoura esteve sempre ameaçada
pelo laboratório de transgenia da empresa Syngenta Seeds, localizado no terreno
vizinho. Se o vento transporta o pólen do milho transgênico para o outro lado
do arame farpado, muito provavelmente cruza com o milho natural e a
contaminação deixa de ser um risco para se tornar um fato.
No semiárido nordestino, as cisternas
de placa e, agora, também as de plástico, compõem cada vez mais a fotografia de
famílias de trabalhadores/as rurais. O programa que visa construir um milhão de
cisternas ameniza a situação de seca, enquanto a cerca vai tomando conta dos
grandes projetos e reservas hídricas. A propaganda da mídia comercial, além da
blindagem às causas da poluição, vale-se de seu tradicional oportunismo para
criar uma opinião pública favorável a uma saída via mercado para um problema
nascido justamente com a mercantilização da vida.
Uma estratégia de governo não é
definida somente por aquilo que lhe é regra, uma vez que a correspondente
exceção não lhe é um corpo estranho.
A justiça burguesa não será menos
burguesa por conta de ganhos isolados e residuais de causas concedidas a
trabalhadores contra patrões. Ela é burguesa precisamente por causa disso.
Economia solidária, agroecologia e convivência com o semiárido só se tornam incompatíveis com o
sistema dominante se,enquanto exceções, colocam-se frontalmente contra a regra
– contra o mercado capitalista, contra o
agronegócio, contra a Transposição;
caso contrário, estarão a justificá-la, subsidiá-la. E só podem se opor à regra
se incorporadas às lutas de movimentos populares que se afirmem com idênticos
propósitos, uma vez que hegemonia social, incluindo a de determinadas técnicas e/ou
tecnologias, é, antes de mais nada, uma questão de força, de poder.
*Thales Emmanuel é militante do
Movimento dos/as Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e da Organização
Popular (OPA).
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