segunda-feira, 23 de março de 2020

"Jesus da Gente"


Recebi, via whatsapp, de um jovem estudante Redentorista, o seguinte pensamento do Padre Júlio Lancellotti: "A gente procura Jesus no Sacrário e ele teima em ir para debaixo do viaduto". Fico muito feliz em perceber sinais de que a nossa formação está proporcionando aos nossos jovens esta percepção de Jesus, que é encarnação diária. Uma presença muitas vezes invisível, até para aqueles que passam apressadamente para "adorá-lo" em sacrários ornados com ouro, algo jamais imaginado por Jesus de Nazaré.
A CF 2020 vem justamente nos provocar nesse sentido, quando nos coloca diante da atitude do samaritano. "Ele viu, teve compaixão e cuidou dele". Até alguns anos atrás, ainda éramos capazes de sentir ao menos pena. Hoje, estamos sendo levados a sermos indiferentes e, em muitos casos, até cúmplices de um modelo de sociedade que quer banir do seu meio aqueles e aquelas que aos seus olhos nada significam. Sendo, para tanto, até favoráveis ao extermínio.
A doutrina social da Igreja – sim, a Igreja tem uma doutrina social! –, embora alguns queiram ignorá-la e coloquem em evidência apenas o que tange à moral, no número 207, nos leva a entender a necessidade de redescobrir o sentido da caridade. Precisamos superar a noção de uma caridade individual e assistencialista para a dimensão de uma caridade social e construtora da libertação humana. Encontrar Jesus caído e questionar as causas de sua queda.
Dom Hélder já bem nos alertava sobre isso: "Quando dava comida aos pobres, me chamavam de santo; mas quando comecei a questionar as causas da pobreza, chamaram-me de comunista". Não é fácil tomar atitudes que fogem das rédeas do sistema. Bem sabemos o que aconteceu com Jesus de Nazaré, Oscar Romero, Dorothy, Margarida Alves, Josimo, Ezequiel, Zé Maria do Tomé e tantos outros assassinados por serem considerados subversivos. Sempre foi e sempre será melhor para os que querem se manter no poder que sejamos apenas oferecedores de uma sopa quente.
Diante de um sistema que não se sustenta mais, como diz o papa Francisco, e que sai dizimando os povos originários; explorando a maioria, cada vez mais empobrecida; invadindo o espaço para os grandes projetos depredadores; incentivando a violência contra as mulheres, os LGBTTI+, os jovens das periferias; precisamos ser profecia. Se nos calarmos, as pedras falarão. Há muita profecia fora da Igreja: nas praças, nas ruas, nos sambódromos... "Meu nome é Jesus da gente!"

Por padre Júlio Ferreira, missionário redentorista.

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