terça-feira, 12 de maio de 2015

CAPITALISMO, BARBÁRIE E O TEMOR À LIBERDADE



Fortaleza, 12 de maio de 2015.
Por Thales Emmanuel*

Em 1867, com a publicação do primeiro volume de O Capital, é revelada ao mundo, cientificamente, a lógica de funcionamento da sociedade capitalista. Karl Marx, autor da obra, não criou a luta de classes nem a mais-valia. De fato, elas só puderam ser desveladas porque já existiam.
Em 1916, Rosa Luxemburgo, entregue à luta da classe trabalhadora e em permanente análise das mudanças sociais em curso, sentencia: “Socialismo ou barbárie.” Para a “Águia Polonesa”, o avanço da ordem social do capital representa, na acepção concreta do termo, o despencar no abismo da desumanização.
Conforme Marx, o capital se acumula quando se apropria da parte do trabalho que, retida pelo capitalista, não retorna ao/a trabalhador/a quando do pagamento do salário; concentra-se quando esse mesmo trabalho não pago é reinvestido em mais capital; e se centraliza quando se funde em grandes conglomerados de capitais, deixando para trás os virtuais princípios da livre concorrência.
Essa tríade, que varre tudo o que se é produzido com as mãos de muitos, para os bolsos de poucos, está na essência de impactos alarmantes verificados atualmente.
Com “ricos cada vez mais ricos, às custas de pobres, cada vez mais pobres”, 1% da população passa a deter mais riqueza que os 99% restantes.
O desemprego estrutural começa a atingir centenas de milhões, o combate à pobreza se transfere dolosa e confessadamente para o cínico expediente de combate à extrema pobreza, uma quantidade crescente de gente entra para o depósito dos “descartáveis”.
Enquanto isso, o deus maior dessa sociedade, o onipotente Mercado, segue arregimentando políticos, meios de comunicação e promovendo guerras para descartar os “descartáveis”. Qualquer crítica mais contundente à sua onipresente lógica de funcionamento redunda em criminalização das dissonâncias. O Papa é taxado de anti-Cristo e o indígena da Amazônia é crucificado com balas envenenadas por glifosato, princípio ativo de agrotóxicos associados ao uso de transgênicos, e principal responsável, segundo Stephanie Seneff, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, por tornar autista, daqui a dez anos, uma em cada duas crianças do mundo.  
O Mercado não é uma simples troca de produtos ou uma mera operação de compra e venda. Sua fluidez, identificada propositalmente pela mídia dos que dominam como “liberdade democrática”, representa o dinamismo da acumulação, o movimento contínuo exigido pela concentração e a alma prometida a centralização, para que paguem o preço os quase um bilhão de condenados à morte por inanição.
O Mercado, que, no Haiti, logo após o último grande terremoto, em 2010, enquanto Cuba se voluntariava com mais médicos/as, fez despejar dos Estados Unidos e da Monsanto sementes geneticamente modificadas, aproveitando-se da escassez generalizada dos mais de um milhão de desabrigados/as.
Em um dos templos consagrados a Ele, a bolsa de valores da NASDAQ, em Nova Iorque, negocia-se ações do maior sistema prisional do planeta, o dos Estados unidos, com aproximadamente 2,3 milhões de detentos. São os “descartáveis” servindo a reciclagem do capital.
Nessa perspectiva, a redução da maioridade penal no Brasil pode atrair investimentos futuros e ajudar o país a sair da crise. Aí vem também a terceirização; o Código Florestal, que já se foi; a contra-reforma política...
Tem a migração de africanos para a Europa, fugindo das mazelas que a mesma Europa há séculos vem tratando de disseminar em seus territórios. Na Assembleia Geral da ONU, em dezembro de 2014, com a ascensão de nazistas ao poder na Ucrânia, a Rússia solicitou resolução condenando a glorificação da ideologia nazista. Os países da União Européia se abstiveram e Estados Unidos, Ucrânia e Canadá votaram contra.  
"A humanidade teme a liberdade", disse outro dia o Papa Francisco. Arriscaria a concordar com essa afirmação, mas somente em parte. Por que só em parte? Porque falta heterogeneizar o que se é heterogêneo para, assim, poder se aproximar da verdade. Falta registrar e identificar que uns se colocam mesmo frontalmente contra a liberdade e que outros/as, destemidamente, como fora a própria Rosa e Marx, doam-se cotidianamente pela sua construção.

*Thales Emmanuel é militante do Movimento dos/as Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e da Organização Popular (OPA).

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