Por Thales
Emmanuel*
Quando Charles Darwin publicou seus estudos sobre Seleção
Natural, no final da década de 1850, as forças produtivas do capital viviam sua
fase de mundialização. Desde a Europa e a todo vapor, as linhas de ferro
rasgavam as terras e o que quer que fosse, onde quer que encontrasse,
impulsionadas pela consolidação das transformações sentidas a partir das
Revoluções Industrial e Francesa.
Na esfera do trabalho, o avanço do processo de privatização
da terra e dos demais meios de produção, além de enorme movimento migratório,
introduziu grandes massas da população ao mundo da competição capitalista. No
mesmo pacote da igualdade legal, conquistada em 1789, com a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, o “direito natural e imprescritível à
propriedade” já se notabilizava, no início da segunda metade do século 19, pelo
monopólio do direito de subordinar para si todos os outros direitos. No mundo
real da igualdade formal, quem tinha mais propriedade possuía mais direitos. E
quem não tinha propriedade alguma, para sobreviver, cabia basicamente obedecer
à lei e, na relação direta com o capital, ser o mais apto, entre muitos que
precisavam ser o mais apto para sobreviver.
Se, para Darwin e sua ciência da natureza, a capacidade de se
adaptar ao meio consistia no principal mecanismo preservador de qualquer
espécie viva, do ponto de vista social, as coisas se mostrariam um tanto quanto
diferentes para a espécie humana.
Em fins do século 19 e início do século 20, a classe
trabalhadora, em países capitalistas de ponta, não só acumulava relativa
experiência organizativa e de luta, como passava a conquistar o direito de
disputar eleições nos marcos institucionais da política burguesa. Para a
burguesia, este período foi também de largos passos dados na consolidação de
seu Estado e, por conseguinte, de seu domínio.
Na Alemanha, após um aumento consecutivo de votos recebidos
em eleições parlamentares, parte da direção da classe trabalhadora confiou ser
plausível superar o capitalismo por dentro dele. A aprovação contínua de
reformas geraria mudanças suficientes para a construção de outra sociedade,
longe não só das mazelas reconhecidamente inerentes à ordem social do capital,
mas também da revolução social, defendida pelos que se mantinham convictos às
teses elaboradas por Karl Marx, décadas antes.
Com essa estratégia, primeiro veio o achatamento das demandas
e reivindicações da classe trabalhadora aos limites da ordem burguesa; depois,
tratou-se de abrandar os métodos, substituindo o conflito pela ideia do
diálogo, próprio à crença do “livre contrato social”.
Mas, como é comum numa estrutura de sociedade em que a
maioria tem o direito pétreo de apanhar calada ou, na melhor das hipóteses,
apanhar se pronunciando “educadamente”, qualquer reação verdadeira, que escape
aos marcos efetivos da institucionalidade dessa dominação, só pode desembocar
em conflito. O conflito é, pois, pré-condição ao diálogo.
Algumas das benditas reformas até se efetivaram, mas isso
aconteceu, invariavelmente, quando o poder da classe dominante esteve ameaçado,
forçando assim concessões. Ou seja, estava o “fantasma” da ruptura
revolucionária a assombrar quando as mudanças por dentro da ordem se concretizaram.
Em larga medida, no entanto, tais conquistas tiveram um
caráter somente efêmero e local. O chamado “Estado de bem-estar social” não
chegou a se solidificar nem em todos os países europeus e, já nos anos 1970,
era perceptível seu processo de degradação.
A rearticulação das forças do capital, como acontece ainda hoje, resultou
em ofensiva contra os direitos da classe trabalhadora.
Muito embora a adaptação política à ordem social do capital
não tenha posto fim à luta de classes, a estratégia de colaboração reapareceu
sempre que a conjuntura a demandou.
Ao longo desses anos, o capitalismo se mostrou imelhorável
para a maioria das pessoas. O direito à
propriedade reina ainda mais absoluto sobre os outros direitos. O recorde da
fome contrasta com o recorde da riqueza produzida; a segregação dos empobrecidos
escancara a existência de sociedades paralelas e combinadas; as guerras para
alimentar mercados abusam do uso da mídia comercial, que se lambuza “em nome da
democracia”; o produtivismo/consumismo do lucro rápido, princípio motor do
sistema e esgotador da natureza, coloca a espécie humana diante de sérios
riscos, incluindo o de extinção.
Enquanto o protetor solar acalenta a consciência de alguns, o
poder de reverter este preocupante quadro continua, como há tempos atrás,
impregnado, tanto na capacidade de um projeto alternativo de mobilizar os mais
diretamente impactados, como de se fazer inadaptável à ordem social do capital.
Talvez fosse isso que Marx quisesse alertar a Darwin quando
tentou lhe dedicar o segundo volume de O Capital. Mas este o rejeitou.
*Thales Emmanuel é militante do Movimento dos/as
Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST) e da Organização Popular (OPA).
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